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Domingo, 07 Junho 2020 15:31

Como proteger a integridade das testemunhas em crimes de colarinho branco?

Questão volta ao debate uma semana depois da execução à queima-roupa de mais uma pessoa que alegadamente seria testemunha num processo deste tipo. Crime faz aumentar "medo de represálias", diz analista.

No domingo passado, 31 de maio, a capital angolana assistiu a mais um crime violento: o inspetor-geral das Finanças, Rodrigues Eduardo, de 35 anos, que alegadamente deveria prestar declarações à Procuradoria-Geral da República (PGR), no âmbito de um processo-crime que envolve o governador daquela província, Job Pedro Castelo Capapinha, foi executado à queima-roupa.

De acordo com o semanário angolano Novo Jornal, que cita fontes do Serviço de Investigação Criminal (SIC), o crime ocorreu num dos bairros periféricos da capital Luanda quando quatro indivíduos ainda não identificados, que se faziam transportar numa motorizada, surpreenderam a vítima, mandando-a abrir a porta da viatura. De seguida efetuaram dois disparos que lhe causaram a morte imediata no local. Os marginais puseram-se em fuga e não levaram nenhum objeto pessoal da vítima.

Em causa estaria a abertura de um processo-crime de subfacturação relacionado com o aluguer de duas viaturas para os vice-governadores da província do Kwanza Sul, avaliada em 191 mil kwanzas por dia, cada, por um período de um ano, qualquer coisa como 250 mil euros.

A empresa de aluguer de automóveis contratada, constituída em dezembro de 2018, tem como acionista um cidadão originário da Mauritânia e supostamente muito próximo de Job Castelo Capapinha, segundo a imprensa angolana.

Lei das testemunhas serve para "inglês ver”

Entretanto, num comunicado tornado público, a PGR descarta qualquer ligação entre o assassinato do inspetor das Finanças e a investigação em curso, dizendo que Rodrigues Eduardo nada tinha a ver com o processo em causa. Em entrevista ao Novo Jornal, Job Capapinha disse apenas esperar "que a justiça faça a sua parte".

Apesar dos esclarecimentos das autoridades, especialistas levantam dúvidas quanto à segurança e proteção das testemunhas em processos de corrupção e crimes organizados.

A lei sobre a Proteção das Vítimas, Testemunhas e Arguidos colaboradores em Processo Penal, designadamente Lei n.º 1/20, de 22 de janeiro, determina programas especiais de proteção como identificação adulterada, escolta policial em casa ou no trabalho; nova habitação no País ou no estrangeiro e ajuda financeira. Mas, de acordo com Domingos Eduardo Chipilika, advogado e docente universitário da cadeira de Processo Penal, pouco ou nada se sabe sobre um programa específico levado a cabo pela PGR. Ou seja, a lei existe, mas apenas para "inglês ver".

"As autoridades deveriam fazer alguma coisa neste sentido, considerando que o país andou em saque durante anos. E há muita gente com dados incriminadores, porém temem colaborar", diz Domingos Eduardo Chipilika.

Questionado sobre se o combate à corrupção e a impunidade que o Presidente João Lourenço diz estar a levar a cabo dá alguma garantia de segurança e proteção às testemunhas, o advogado é categórico: "O programa de combate à corrupção não fornece garantias a ninguém", afirma.

Também o jurista Joaquim Jaime argumenta que "embora que oficialmente não tenha sido constituído testemunha", a morte do inspetor das Finanças "poderá desaconselhar potenciais testemunhas de deporem ou colaborarem no sentido de se descobrir a verdade material dos factos em investigação, por temor de represálias".

Histórico de eliminação de testemunhas…

Este não é o primeiro caso em que uma testemunha em processos crime de colarinho branco é executado à bala. Em 2009, um oficial superior da Polícia Nacional, de nome Domingos Francisco João "Joãozinho", denunciou um esquema de corrupção e desvios de dinheiro públicos nas ostes da corporação. De acordo com o acórdão de condenação do Tribunal Provincial de Luanda, apercebendo-se que aquele oficial sabia de tudo e estava disposto a revelar a verdade, o então comandante da província de Luanda, o comissário Joaquim Ribeiro, mandou-o matar.

Em 2011, um outro caso envolvendo o antigo governador provincial de Luanda, José (Zé) Maria Ferraz dos Santos, mexeu com a sociedade. O governante era acusado de ter sido o mandante do assassinato da jovem Eurídice Cândido, mais conhecida por "Dodó", com quem tiveram uma filha. O crime foi praticado por um grupo de três indivíduos supostamente contratados por um dos irmãos do ex-governador -Florindo Ferraz dos Santos, vulgo Filó - , a seu pedido, em troca de vinte e cinco mil dólares e cinco casas no projeto habitacional do Panguila.

Para convencer o seu irmão a satisfazer o seu pedido, segundo a informação revelada por Adriano Baptista, juíz-presidente da 4º Secção de Crimes Comuns do Tribunal Provincial de Luanda, por altura da leitura da pronúncia de audiência, José Maria ter-lhe-á contado que a sua ex-namorada estava a criar-lhe alguns embaraços que poderiam prejudicar a sua carreira política, uma vez que o então Presidente da República José Eduardo dos Santos lhe conferira a missão de dirigir a capital do país. Acontece que, Carlos Pedro Missinda, a pessoa que terá servido de intermediário entre o irmão do antigo governador de Luanda e os militantes que executaram a ex-amante, e que deveria confirmar a "negociata "em tribunal, acabou executado dias antes do início do julgamento. DW Africa

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