Domingo, 14 de Dezembro de 2025
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Domingo, 14 Dezembro 2025 12:44

A fragmentação de uma sociedade em decadência moral

Há momentos na história de um país em que já não basta sussurrar, dialogar com prudência ou usar metáforas para evitar desconfortos. Há momentos em que é preciso dizer claramente: a sociedade angolana está presa num ciclo de autossabotagem moral, política, cultural e económica, e fingir que está tudo bem é participar da própria decadência.

 “Como é possível que um povo comprovadamente tão rico em espírito aceite viver tão pobre em consciência?”

Angola sofre de uma doença silenciosa, a abdicação do pensamento crítico.

A modernidade entrou pela porta da frente, mas a reflexão ficou presa na varanda.

Estamos vivendo num país onde a opinião virou barulho, o debate virou luta e a verdade virou aquilo que convém no momento.

É triste ver um povo que deixou de examinar a si mesmo, de questionar líderes, tradições mal digeridas ou modelos de sociedade importados sem filtros. A crise filosófica angolana não é teórica, é prática, ou seja, pensamos pouco, repetimos muito, imitamos demais e não questionamos quase nada.

A política angolana continua atolada num lamaçal ético que posso considerar como uma política de traição do bem comum. O país avançou, sem dúvida, mas avança mancando, porque confunde autoridade com autoritarismo, confunde governo com dono da casa do Estado e confunde cidadania com aplauso automático.

Há um medo estructural do escrutínio público. E uma sociedade que teme questionar os seus dirigentes já perdeu metade da sua liberdade. É fundamental a coragem para enfrentar o elefante na sala, a política angolana continua mais focada em controlar consciências do que em despertar cidadãos.

Culturalmente, vivemos uma crise inquietante, a cultura angolana está a ser plastificada. Importamos comportamentos, linguagens, ideais e até problemas que não são nossos. Enquanto isso, a sabedoria dos mais velhos é tratada como excentricidade, a leitura é um hábito raro, a reflexão cultural virou uma espécie de luxo.

Vivemos uma tragédia moral. Um povo que esquece as suas raízes transforma-se num eco vazio, numa caricatura de si mesmo. A cultura angolana precisa deixar de ser espectadora das modas alheias e voltar a ser criadora do seu próprio destino simbólico.

A economia angolana é como um prédio alto construído sobre areia movediça, impressiona à distância, mas desaba quando tocada. Não podemos aceitar a normalização da desigualdade nem o conforto dos poucos à custa da precariedade dos muitos.

Pois que, a verdade é incómoda, é um facto que em Angola há riqueza, mas ela circula mal, há trabalho, mas não há oportunidades, há potencial, mas não há vontade colectiva de o transformar em dignidade. A economia continua a servir uma minoria, e pior ainda, naturaliza-se isso como se fosse inevitável.

Angola está a perder o seu espírito comunitário, o individualismo tomou conta, a juventude está desencantada, a desconfiança social virou norma e o senso de solidariedade está a desaparecer. A sociedade fragmentou-se, há Angola das promessas e Angola das sobrevivências, há Angola das palavras e Angola dos factos.

Onde foi parar a alma que dizia que o vizinho é irmão? Hoje, cada um corre por si, e os mais vulneráveis correm contra o vento.

Esta análise não é confortável nem decorativo, é um espelho, e parece-me que hoje esse espelho está partido, tudo por causa dos Partidos. É uma reflexão que mostra um país com potencial para ser referência, mas com hábitos que insistem em puxá-lo para trás.

É fundamental assumirmos a coragem para devolver a ética à política, para devolver consciência à cultura, para devolver humanidade à economia, e devolver alma à sociedade.

Angola não precisa de mais discursos. Precisa de um despertar moral profundo, de cidadãos que recusem o papel de espectadores da própria história.

Por: Adão Xirimbimbi “AGX”

Jurista e Pensador

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