Terça, 16 de Dezembro de 2025
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Segunda, 15 Dezembro 2025 23:47

A ilusão das varinhas mágicas.

Fala-se muito em fortalecer os pequenos produtores, em baixar o preço da cesta básica, em alcançar a tão proclamada segurança alimentar. Discursos não faltam. Planos também. O que falta, mais uma vez, é o essencial: infraestruturas sólidas de escoamento da produção.

Nenhuma varinha mágica vai salvar a agricultura angolana enquanto o milho apodrecer no campo por falta de estradas, pontes, armazéns e mercados funcionais.

Angola já foi um país agrícola. Produzia e exportava café, algodão, sisal, milho, feijão e muitos outros produtos. O campo tinha vida, o camponês tinha dignidade e o país não dependia da humilhação permanente da importação para alimentar o seu próprio povo. Esse passado não desapareceu por acaso. Foi destruído, peça por peça, pela desgovernação, pela corrupção e por uma elite política orgulhosa, mais preocupada com os seus interesses pessoais do que com o bem- estar coletivo.

Hoje, o retrato é vergonhoso. Em vez de apostar seriamente no produtor nacional, o Estado prefere importar estrangeiros para cultivar milho, gindungo, abacate e outros produtos básicos. Criam-se sociedades onde a participação angolana é nula ou simbólica, mas os lucros são garantidos — para poucos. O mais irónico, e ao mesmo tempo trágico, é que muitos desses produtos cultivados em solo angolano não ficam em Angola: são produzidos aqui para abastecer mercados externos, enquanto o país continua a importar alimentos a preços elevados.

Paralelamente, assiste-se a um dos maiores escândalos silenciosos do país: políticos transformados em comerciantes. Extensas áreas agrícolas foram ocupadas há 10, 20 ou mais anos, sem nunca serem exploradas. Terras que poderiam alimentar milhares de famílias permanecem improdutivas, usadas apenas como ativos de poder e especulação. Em muitos casos, essas terras foram usurpadas aos camponeses, sob o pretexto do “interesse do Estado”, por um Estado capturado por falhados, incapazes de planejar, produzir e servir.

Depois, com uma leveza cínica, dizem-nos que a cesta básica só baixará quando produzirmos mais. É verdade. Mas é apenas meia verdade. Produzir sem estradas é condenar o produtor ao prejuízo. Produzir sem mercados é empurrar o camponês para a falência. Produzir sem políticas sérias de escoamento é alimentar estatísticas, não pessoas.

O pequeno produtor perde a colheita porque não consegue transportá-la. O milho, o abacate, o tomate, a batata apodrece, a mandioca estraga-se, o feijão não chega ao mercado. Sem estradas transitáveis, sem transporte acessível, sem centros de armazenamento e conservação, a produção transforma-se em desperdício. E desperdício, num país com fome, é crime político.

Enquanto o discurso oficial insiste em milagres económicos, a realidade exige escolhas claras: investir em infraestruturas rurais, devolver a terra a quem trabalha nela, apoiar o produtor nacional com crédito, assistência técnica e, sobretudo, condições reais para escoar o que produz. Sem isso, qualquer promessa de segurança alimentar não passa de propaganda.

Angola não precisa de mágicos. Precisa de governantes sérios. Precisa de estradas, não de slogans. Precisa de produtores respeitados, não de camponeses enganados. Até lá, a cesta básica continuará alta, o campo continuará abandonado e o país continuará refém de uma elite que governa para si mesma — e não para o povo.

Por Rafael Morais

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