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Domingo, 12 Junho 2016 11:09

O Partido-Estado e os furos abaixo da Secreta: Temos um Serviço de Segurança de Estado manietado

Em 1991, quando em sede da então Assembleia do Povo, se fez aprovar o pacote legislativo que consagrou, nomeadamente, o multipartidarismo, a despartidarização das Forças Armadas e a instauração das bases da economia de mercado - princípios constitucionais que se destinavam à implantação da democracia multipartidária em Angola -, pouco se poderia antever sobre as condições reais do "fenómeno democrático no país" ou então as condições que este enfrentaria 25 anos depois.

Por Nok Nogueira

Ocorre-nos pois por isso por ora proceder a uma leitura com base em determinadas premissas que podem ser de algum modo ilustrativas do "estado de coisas" no que à democracia no país diz respeito(?). Muito embora sempre tivesse sido entendimento comum que a coabitação democrática em Angola, 16 anos depois do regime autoritário ou monopartidário, se preferirem, acusaria os normais entraves próprios de um processo de aprendizagem ou de auto-negação, a saber:

Resistência às marcas estruturantes da democracia (lento processo de normalização institucional democrática); largos anos para aprovação da Constituição da República; assistimos ao protelar de eleições no país por seis anos sem justificações plausíveis, logo a seguir ao conflito armado; vimos um Tribunal Supremo nas vestes do Constitucional por largos anos, e ainda faltando a institucionalização do Tribunal Administrativo; lenta extensão das garantias dos direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos; etc., etc., apenas para citar estes exemplos.

Associado a todos esses entraves a que assistimos, vimos igualmente uma certa dificuldade (ainda hoje evidenciada pela forma como o governo não consegue lidar com a crítica, seja ela oriunda da sociedade civil organizada, do cidadão na sua condição individual ou dos partidos políticos da oposição) sentida no estabelecimento de um sistema de governo em que não saíssem feridos os princípios democráticos. Suspeita que se veio a confirmar com a aprovação da Constituição de 2010.

Por mais que a Lei Magna consagre o nosso sistema de governo como presidencialista do ponto de vista formal, a acção material do exercício de governo não salvaguarda o interesse da fiscalização dos actos do poder executivo, não havendo por isso um contrapeso, e dando a ideia de um poder quase absolutista, contrário aos princípios democráticos; porque assim determinou/legitimou, em acórdão, o Tribunal Constitucional, cujo titular da pasta é nomeado pelo Chefe de Estado, que é ao mesmo tempo titular do poder executivo (levanta-se aqui a questão do conflito de interesse e a independência de decisão).

Foi interessante, por exemplo, assistir a discussões sobre um putativo sistema de governo muito antes da aprovação da Constituição da República. Vozes mais afectas ao governo defendiam, primeiro, um sistema semi-presidencial com "pendor presidencialista"; o ensaio foi feito e percebeu-se que o mesmo trazia "muitas ambiguidades", tudo porque escapavam ao titular do poder executivo determinadas faculdades, tendo-se defendido com garras e dentes o sistema presidencialista como sendo o ideal para o país.

A aprovação da Constituição de 2010 foi um outro exercício interessante por ter trazido alusões à Constituição sul-africana, onde, diametralmente em oposição, existem contrapesos constitucionais, na medida em que os tribunais são independentes, não apenas do ponto de vista formal do poder executivo, bem como são exageradamente evidentes os sinais exteriores de subserviência ou de dependência directa ao titular do poder executivo por parte dos órgãos judiciais.

Contudo, em meio a todo este debate que se transfere um pouco para a esfera da teorização dos princípios democráticos susceptíveis dos tais subjectivismos do costume, existem elementos mais palpáveis que têm que ver com a actuação dos Serviços de Segurança do Estado perante o exercício de cidadania e política, cuja actuação, ao que tudo indica, está ainda sob dependência directa do partido do poder, à semelhança do que acontecia no tempo do Partido-Estado.

Temos um Serviço de Segurança de Estado partidário, manietado às arbitrariedades do poder, e que está ainda muito amarrado aos marcos do monopartidarismo, ou seja, do Partido-Estado; e isso ficou bastante evidente no "caso Cassule e Kamulingue", em que vimos a Secreta assassinar cidadãos - e não está ainda aqui em causa se um deles era ou não agente infiltrado.

O mesmo modus operandi vemos na actuação da Secreta em meio aos vários intentos de manifestações levados a cabo pelos chamados revus, em que alegados agentes da Segurança do Estado agem ao lado da Polícia Nacional, reprimindo com violência e de modo impiedoso os manifestantes ou contestatários do regime. Todos esses elementos são marcas de um regime autocrático que a Lei 12/91 visou extinguir perante a actuação do governo, consagrando o princípio da despartidarização das Forças Armadas e do Estado.

© Novo Jornal

 

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