Cidadãos que, através das redes sociais, fazem apelo ao protesto e à tomada de medidas de enfrentamento também estão a ser detidos.
A campanha de detenções foi posta em marcha antes dos eventos de 28, 29 e 30 de Julho, com destaque para a detenção de Osvaldo Sérgio Correia Caholo, que se encontra detido no Estabelecimento Prisional de Calomboloca. Depois dos referido eventos, a campanha de detenções assumiu proporções maiores.
Angola, Estado fundado a 11 de Novembro de 1975, enfrenta presentemente uma crise geral grave, traduzida num conjunto de problemas que inviabilizam a sua transformação em efectivo Estado democrático de direito, desenvolvido e de bem-estar social.
O epicentro desta grave crise geral chama-se MPLA. Mais do que inviabilizar a resolução dos problemas económicos, sociais e políticos de Angola, o MPLA tem criado diversos problemas artificiais que visam a sua manutenção no poder a todo o custo: são as operações de bandeira falsa.
Nos últimos 20 anos, o regime levou a cabo diversas operações de bandeira falsa, com o processo 60 Toneladas, sendo o mais recente, cujo desfecho teve lugar em Março.
Ademais, está a ser forjada outra operação de bandeira falsa: o processo do Grupo Wagner, em curso, em sede do qual três cidadãos angolanos (Caetano Agostinho Muhongo Capitão, Amor Carlos Tomé [este é jornalista e foi detido na TPA] e Oliveira Francisco) e dois cidadãos russos (Igor Racthin e Lev Lakshtanov) foram detidos, “por factos constitutivos dos crimes de Associação Criminosa, Falsificação de Documentos, Terrorismo e Financiamento ao Terrorismo” e “por fortes indícios da prática dos crimes de Associação Criminosa, Falsificação de Documentos, Terrorismo e Financiamento ao Terrorismo, consubstanciado no recrutamento e financiamento de cidadãos nacionais para produção de matérias de propaganda e difusão de informações falsas nas redes sociais, promoção de manifestações e pilhagem”, segundo comunicação feita pelo Serviço de Investigação Criminal (SIC).
Num texto, da autoria de Anselmo Agostinho, lemos: “Mais alarmante ainda são os indícios de envolvimento de figuras políticas nacionais, como Higino Carneiro e Dino Matrosse, associadas à rede de influência da organização. Segundo investigações internacionais, a Africa Politology não actua apenas com propaganda digital e notícias falsas: ela financia manifestações encenadas, corrompe jornalistas locais e molda a narrativa pública a favor dos interesses estratégicos russos”.
Com o Processo do Grupo Wagner, o Regime pretende realizar objectivos como os seguintes:
No MPLA:
1 - Inviabilizar a candidatura de Higino Carneiro a presidente do MPLA e outros que estejam a perfilar-se neste sentido;
2 - Impedir que Dino Matrosse e outras figuras relevantes do MPLA apoiem Higino Carneiro ou outra figura presidenciável.
No plano nacional:
1 - Conseguir que o Povo (ou, pelo menos menos a massa militante) cerre fileiras à volta de João Lourenço e do MPLA;
2 - Travar a onda de manifestações e greves contra o aumento dos preços dos combustíveis que, ao incidir sobre os preços de produtos e serviços, resultaram na degradação das condições económico-financeiras da população;
3 - Abortar a preparação de novos protestos de rua e greves de taxistas e afins;
4 - Justificar a securitização preventiva das ruas, isto é, antes das eleições gerais de 2027, para impedir a tomada das ruas pelo movimento pela verdade eleitoral e alternância.
No plano internacional:
1 - Conseguir as simpatias dos Estados Unidos, da União Europeia, da OTAN e dos demais países alinhados;
2 - Promover a noção de que o Presidente da União Africana, João Lourenço, está comprometido em combater os instrumentos de influência e de subversão russa no continente.
3 - Aproximar João Lourenço a Donald Trump.
Deve ser notado que não há contradição entre os objectivos de inviabilizar as candidaturas do presidenciáveis do MPLA e seus apoiantes, e os objectivos nos planos nacional e internacional.
Ocorre que a estratégia geral de manutenção do poder do MPLA é incompatível com a democracia interna e com figuras e agendas de regeneração.
Por outro lado, apesar de o tal de Anselmo Agostinho não mencionar Adalberto Costa Júnior nem fazer alusão a ele nem à UNITA, o processo do Grupo Wagner será usado para comprometer o presidente da UNITA e a própria UNITA, ainda que de forma sub-reptícia, porquanto a estratégia geral de manutenção do poder do MPLA leva sempre em conta a UNITA, a única organização com capacidade real de liderar um movimento popular pela alternância.
Mais de 30 anos depois, a afirmação de Jonas Savimbi prevalece: “a luta é entre o MPLA e a UNITA”.
Anselmo Agostinho é a mesma figura obscura que nos primeiros meses de 2025 publicou textos em que acabou por implicar Adalberto Costa Júnior e a UNITA no processo 60 Toneladas.
O seu estilo de escrita e riqueza de detalhes permitem inferir que se trata de um agente dos Serviços de Inteligência ou alguém municiado pelos mesmos.
Com o processo do Grupo Wagner as instituições do Estado estão, mais uma vez, a ser usadas no quadro da estratégia de manutenção do poder do MPLA – um conjunto de decisões, actos, processos, métodos, técnicas e recursos que visam mantê-lo no poder a todo o custo.
As instituições do Estado estão configuradas e comportam-se para manter o MPLA no poder. O MPLA está em franca decadência. Uma decadência que não pode ser travada com maracutaias nenhumas.
Nuno Álvaro Dala
*Deputado à Assembleia Nacional