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Quarta, 23 Dezembro 2015 12:50

Portugal-Angola: O fim da petrodependência, finalmente?

Dos países africanos lusófonos, Angola é aquele com que Portugal tem, historicamente, uma relação mais intensa. O petróleo – ou aquilo que os milhões do petróleo permitem comprar – foi aumentando essa proximidade nos últimos anos. Foi combustível para negócios, da banca à comunicação social, muitas vezes com agendas escondidas. Agora que faltam os petrodólares, será que estamos a assistir a um “reset” das relações entre os dois países?

Por Paulo Guilherme

O caso de António Mosquito é paradigmático. Quando, em 2013, entrou na construtora Soares da Costa, representaria uma espécie de “segunda vaga” de investimento angolano. A primeira era, obviamente, a da Sonangol (Galp, Millennium Bcp) e de Isabel dos Santos (BPI, Nos).

Agora, Mosquito quer voar para outras paragens. Está a negociar a saída da Soares da Costa, aparentemente indisponível para continuar a perder dinheiro na construtora. E também, diz-nos o Expresso do último fim-de-semana, prepara a saída do negócio da comunicação social (DN, JN e TSF), onde a situação financeira é tão ou mais complicada. A Newshold, do grupo Madaleno, já tinha feito mossa neste setor, retirando-se do “Sol” e “i”.

A concretizar-se a saída, Mosquito sai tão inopinadamente como entrou. Aliás, muitos consideram-no um testa-de-ferro para investimentos de Isabel dos Santos. O próprio o terá admitido em privado, mostrando-se até algo contrafeito por ter de investir nos negócios que agora abandona.

Durante os anos da crise, Portugal habituou-se a ouvir que um investidor angolano “viabilizaria” esta ou aquela empresa. Que “estava disponível para investir”. Quantos artigos se escreveram sobre a inversão de papéis – agora era o ex-colonizado que comprava a ex-metrópole, ironias da História e orgulho da jovem nação. E hoje somos chegados ao momento em que se “preparam as saídas”.

Não são só os investidores angolanos que saem. São os trabalhadores portugueses de Angola, que aos milhares ali encontraram emprego durante os anos mais duros da crise no seu país, também ajudando a desenvolver Angola. São também os lucros que tantas empresas ali fizeram ao longo de anos. As exportações portuguesas ficam no cais. No fundo, acabou o dinheiro do petróleo e aquilo que ele pode comprar.

E os petrodólares compraram mais do que empresas. Compraram, em Portugal, apoios e consciências. Um silêncio das autoridades perante todos os atropelos à democracia em Angola. Primeiro ignorando a sociedade civil e as oposições, calando-se mesmo perante evidências de falta dos mais elementares princípios democráticos, e até de corrupção. Já na fase de alguma repressão de protestos, ignorando as duras represálias a manifestantes.

Tudo isto porque o regime de Angola precisava de calar. E porque Portugal pôs em primeiro lugar os interesses económicos, que obrigavam a evitar conflitos diplomáticos. O célebre episódio da “carta de condução do Mantorras”, e o que, na sequência do mesmo, tantos portugueses sofreram em Angola, está ainda vivo na memória de todos.

A retração dos negócios e do peso das trocas comerciais pode dar espaço a uma nova postura das autoridades portuguesas: firme na defesa dos seus interesses. Assim estas pretendam estar de igual para igual, e não agachadas perante interesses económicos.

Uma postura menos centrada na economia e mais alargado à sociedade, à política e à cultura. Uma relação que seja digna da sua longa e rica História. Que não se esgote em investidores mais ou menos obscuros, ações e participações. Que se interesse realmente por Angola e pelos angolanos.

A História, de facto, tem as suas ironias. E oportunidades, nos momentos mais inesperados.

AM

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