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Segunda, 21 Dezembro 2015 14:52

Há espaço para reforçar a democracia dentro da democracia – João Melo

O sistema angolano está de tal maneira bloqueado que a democracia só pode ser construída à custa de manifestações selvagens, com barricadas nas ruas, camiões de combustível incendiados e utilização de velhos e crianças como escudos humanos? Quem o afirmar tem de ser considerado, no mínimo, desonesto, para não dizer criminoso.

Por João Melo

Ora, é isso o que defendem, de acordo com elementos irrefutáveis que vieram recentemente a público, alguns angolanos, inspirados e manipulados reconhecidamente pelo exterior (lamento desiludir, talvez, outros angolanos que pensam que as interferências externas não existem, mas elas existem…). Os mentores, externos e internos, desses “neo-revolucionários” devem ser considerados os autores morais das loucuras que estes últimos, iludidos pela sua leitura equivocada da situação política do país, julgavam ser possível levar a cabo sem consequências.

Independentemente do resultado do julgamento dos activistas antigovernamentais actualmente em curso, uma vez que qualquer julgamento envolve questões substantivas e processuais, pode e deve ser feita uma análise política de todas as evidências que, finalmente, começam a surgir. Não posso, por isso, deixar de estranhar o silêncio de muita gente com responsabilidades políticas, sociais, simbólicas e outras, perante as mesmas.

Não espero nada, digo, dos partidos políticos da oposição, pois os mesmos já tomaram posição a favor do activistas, mesmo antes do julgamento, talvez para apanharem boleia de uma suposta onda interna à volta dos mesmos, que tarda em acontecer (tal como “as massas não saíram” no 27 de Maio). Mas e os críticos e independentes que defendem, justamente, o reforço da democracia em Angola? Será que eles concordam que só o “caos revolucionário” pode trazer a democracia ao nosso país?

Algumas dessas vozes (muito poucas) já se posicionaram contra as “tentativas de tomada do poder por métodos anti-constitucionais”. Mas, até onde vai o meu conhecimento, fizeram-no “em geral”, sem se referirem concretamente àqueles que, no contexto angolano, defendem e protagonizam a referida opção. Na minha opinião, esse pudor, além de não ajudar a clarificar as posições dos diferentes actores em relação ao assunto, reforça os argumentos dos sectores conservadores do governo, que tendem a generalizar e a meter no mesmo saco todas as vozes críticas.

Na verdade, parece persistir (e até acentuar-se) a tendência dos críticos e independentes, a maioria egressa do partido no poder, já ocorrida na nossa história recente: concentrar o fogo no MPLA e no governo, assobiando para o lado quando se trata de erros da oposição. Isso aconteceu assim, por exemplo, quando a UNITA retomou a guerra a 5 de Outubro de 1992 ou quando toda a oposição parlamentar abandonou o primeiro debate constitucional; esses dois erros (no primeiro caso, mais do que um erro, foi um crime) são causas directas da actual situação do país, em particular a lentidão e as contradições do processo de democratização.

Os planos, ou pelo menos intenções de atear fogo a pneus em plena via pública ou organizar marchas em direcção ao Palácio Presidencial com velhos e crianças como escudos não devem, no contexto angolano, ser definidos, cândida e simplesmente, como “métodos extraparlamentares de luta”. A rigor, alguns deles são métodos plenamente justificáveis em sistemas onde não existe democracia e, portanto,  parlamentos no verdadeiro sentido da palavra (além de outros elementos constitutivos da democracia). Não é o caso de Angola.

Não estou a afirmar que a democracia angolana é perfeita. Longe disso. Sendo todas as democracias construções permanentes (as mesmas não estão, inclusive, imunes a eventuais recuos), a nascente democracia angolana tem muitas imperfeições e reclama muitas mudanças. Ninguém de boa fé pode negar, entretanto, que a mesma contém as bases essenciais, políticas, legislativas e jurídicas, para ser aperfeiçoada e não mudada à custa de confusão e, eventualmente, de mais sangue.

Como escrevi no meu artigo da semana passada, a responsabilidade pelo aprofundamento da democracia é de todos os angolanos. Hoje acrescento o seguinte: aqueles que pensam que a democracia em Angola pode ser construída sem o MPLA ou, pior ainda, contra ele, podem tirar o cavalinho da chuva, pois estão redondamente enganados.

Pela parte que me cabe, como cidadão, podem contar comigo para defender o reforço da democracia, desde que isso seja conciliado com as necessidades de estabilidade de toda a sociedade; para exigir a rápida solução dos problemas básicos da população, assim como um combate efectivo à pobreza; para reclamar mais igualdade para todos e menos concentração excessiva e selectiva da riqueza; ou para lembrar que a limitação de mandatos individuais é um dos elementos constitutivos da democracia (recordo que a Constituição nacional, em cuja elaboração participei activamente, permite mais um mandato ao presidente José Eduardo dos Santos, depois de 2017).

Contudo, não contem comigo para apoiar – abertamente ou com cordato e benevolente silêncio – quaisquer irresponsáveis, no mínimo, a serviço, conscientemente ou não, de interesses escusos, e que, por razões que a própria razão desconhece, se convenceram que poderiam ser os “salvadores da pátria” e da democracia angolana, à custa de uma pseudo-revolução, que, manifestamente, a esmagadora maioria não deseja.

RA

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