Domingo, 05 de Mai de 2024
Follow Us

Quarta, 23 Dezembro 2015 21:30

Um novo bode expiatório – Reginaldo Silva

Em termos de conteúdo, da última intervenção do Presidente da República – que pelos vistos foi mesmo a derradeira deste ano de 2015, a coincidir com o dia da “libertação dos révus”- , aquilo que certamente todos retiveram na sua memória foi a sua preocupação com a gestão das redes sociais.

Por Reginaldo Silva

Por extensão, o que esteve em destaque na sua Mensagem de Ano Novo acabou por ser o desempenho da Internet aqui na “banda”, que ainda não é suficientemente larga para as encomendas que se multiplicam, quando pouco mais de um ano nos separa da prevista data da entrada em órbita do nosso “Angosat”, cujo impacto teremos oportunidade de avaliar aqui quando nos aproximarmos mais do dia D.

A referência feita pelo Presidente às redes sociais só pode traduzir a crescente importância desta nova “estrela da companhia”, mesmo num país, como é Angola, onde em termos percentuais o acesso da população à Internet ainda deixa muito a desejar, quando comparado com outras realidades nacionais economicamente mais desenvolvidas e tecnologicamente mais evoluídas.

Afinal de contas, e apesar desta percentagem ainda ser considerada baixa, a Internet em Angola pode já ser nesta altura a principal referência na hora de se delinearem/renovarem as estratégias políticas, sobretudo na óptica dos actuais detentores do poder, tendo em vista a sua conservação, que é, claramente, o objectivo maior.

Os que lá querem chegar, estamos a falar da oposição democrática, com certeza que também terão em conta esta extraordinária força invisível através da qual, e à distância de um clique, milhões de cidadãos podem ser mobilizados para os mais diferentes propósitos.

Pela sua economia de recursos, já é a melhor arma que se pode ter no combate político, a fazer concentrar nela todas as atenções dos estrategos tendo em vista a sua utilização/controlo.

Pelo que nos lembramos, faz agora exactamente um ano desde que José Eduardo dos Santos (JES), na sua qualidade de Presidente do MPLA, alertou pela primeira vez os seus correligionários para a necessidade de se prestar uma maior atenção ao fenómeno Internet no âmbito da concretização dos objectivos do partido no poder.

“Nesta óptica, o Partido deve saber tirar proveito das novas tecnologias de informação e comunicação, para fazer chegar as suas mensagens aos cidadãos”, apontou JES em Dezembro do ano passado.

Foi nessa mesma ocasião, na abertura de um Congresso Extraordinário do seu partido, que o líder do MPLA falou da relação directa, em termos de impacto, que as novas tecnologias de informação (TI) têm com a actividade política e partidária.

Mas mais do que isso, JES teve o mérito de ter sido o primeiro político angolano a falar do advento da “democracia directa electrónica”, ao abrigo da qual, e de acordo com as suas explicações, seria garantida

“Maior participação e representatividade, já que os cidadãos podem ser consultados de forma mais imediata e regular na aprovação e adopção das grandes decisões nacionais”.

Depois de uma tão arejada e futurista visão sobre as TI, confesso que passado  um ano esperava muito mais da sua parte para além das preocupações com os excessos que se cometem nas redes sociais e que violam os direitos de personalidade.

Como é evidente, não temos nada contra este tipo de preocupação, pois todos podemos ser vítimas dos sociopatas que povoam as redes sociais.

Já não podemos concordar com a abordagem do Presidente angolano quando tenta sub-repticiamente transferir para as redes sociais o maior ónus pelo “actual clima moral que tende a predominar nas relações sociais”.

O que é estranho nesta tendência reconhecida pelo político é que ela acaba por contrariar a essência do próprio discurso do “somos especiais” ou do “estamos sempre a subir”, pondo em causa de algum modo os dividendos da paz que tanto se apregoam.

Dito por outras palavras, o impacto destes dividendos sociais deveria estar neste momento a contribuir para termos uma sociedade moralmente mais equilibrada, o que pelos vistos não é o que está a acontecer.

Em teoria, uma sociedade onde prevalece a justiça social, independentemente do seu modelo de desenvolvimento ou do rumo que lhe esteja a ser dado, deveria exibir outros padrões mais saudáveis ao nível dos comportamentos individuais e, por consequência, do relacionamento entre os seus membros.

A celeridade com que agora se pretende legislar sobre a regulamentação das redes sociais, de acordo com a orientação que acaba de ser traçada, cria a ideia que é por aí que se devem atacar prioritariamente os males da nossa sociedade, o que nos parece ser, no mínimo, um grande equívoco, se não houver aqui gato escondido com o rabo de fora.

Como já ando meio escaldado, tal como os gatos, até de água fria tenho receio.

Só me resta aguardar pelo pacote que vem aí para saber um pouco mais das reais intenções que estão na origem desta encomenda paga com taxa de urgência.

RA

Rate this item
(0 votes)