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Terça, 25 Fevereiro 2020 09:50

Dívidas às construtoras portuguesas estão a preocupar FMI em Angola

O problema das dívidas angolanas à construção portuguesa está longe de estar resolvido. Perdões elevados, problemas de certificação e efeitos cambiais penalizadores deixam empresas fragilizadas e preocupadas, uma situação que já contagiou o próprio FMI.

O processo de regularização de dívidas do Estado angolano às construtoras portuguesas está a prosseguir, mas a um ritmo “demasiado lento”. O máximo que as empresas portuguesas aceitam dizer para corroborar o discurso oficial, feito tanto por autoridades angolanas como por nacionais, é que está tudo a ser cumprido e executado. Mas, sob compromisso de anonimato, houve empresas que confirmaram ao PÚBLICO que o problema das dívidas angolanas ao sector está longe de ser resolvido e que há muitas dívidas que permanecem por pagar. Uma preocupação que já foi partilhada pelo próprio FMI.

Na última avaliação à forma como estão a ser executadas as medidas impostas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), no âmbito do pedido de assistência financeira feito pelo Estado angolano em Agosto de 2018, ficou claro que entre os quatro critérios de desempenho a que está obrigado, é no critério de não acumular dívida a fornecedores externos que Angola está a mostrar dificuldades. E a preocupar os responsáveis do Fundo, segundo apurou o PÚBLICO junto de fontes conhecedoras do processo.

“Um país que não paga a sua dívida passa a ter problemas para se financiar”, admitiu Marcos Rietti Souto, representante residente do FMI em Angola, aquando da apresentação do relatório do FMI sobre as Perspectivas Económicas Regionais da África Subsaariana.

Recorde-se que o montante das dívidas de Angola às construtoras portuguesas estava estimado em cerca de 500 milhões de euros, resultado de um passivo que se acumulou durante décadas.

Quando pediu assistência financeira internacional, de menos de quatro mil milhões de euros, o novo governo de João Lourenço comprometeu-se a não aumentar o passivo externo, a regularizar as dívidas e a fazer reformas profundas, inclusive assumindo novas formas de contratação, mais transparentes e escrutináveis.

Isto porque, como têm vindo a verificar os técnicos do FMI, a informalidade com que foram estabelecidos alguns contratos - retratada ao PÚBLICO por fontes de várias empresas - e as divergências sobre qual o perímetro da dívida que compete ao Estado central, está a dificultar o seu reconhecimento e a trazer algum embaraço às autoridades angolanas, que continuam sob escrutínio apertado do FMI.

Na adenda ao memorando de entendimento que assinou com o FMI, o governo de Angola admitia, no passado mês de Dezembro, as dificuldades que estava a ter para cumprir o critério de não acumular dívidas a fornecedores - justificando-se com o facto de os bancos estarem a ter dificuldades em efectuar transacções em dólares norte-americanos.

E explicava que em 2019 havia chegado a um acordo com um fornecedor estrangeiro privado para liquidar gradualmente os pagamentos em atrasos, assegurando que em 2020 iria começar a pagar a dois outros grandes fornecedores estrangeiros com os quais já tinha acordos preliminares. Comprometeu-se ainda a continuar a tomar acções correctivas para evitar o acumular de novas dívidas.

Todas estas mudanças trouxeram desafios acrescidos às muitas empresas portuguesas que continuam em Angola – não só para aquelas que vêem naquele país africano um mercado histórico, como para aquelas que sobreviveram à crise portuguesa do sector da construção, conseguindo margens confortáveis no mercado angolano. Umas e outras têm facturas para receber, e muitas delas, confirmou o PÚBLICO, estão a ter dificuldades inclusive em ver essas despesas assumidas – e certificadas.

Cada empresa por si

Ricardo Pedrosa Gomes, presidente da AECOPS, associação do sector, disse ao PÚBLICO não conseguir avaliar qual é o montante da dívida que continua por pagar, porque depois de uma inventariação global, feita por iniciativa das autoridades angolanas, e em que todas as empresas colaboraram, não voltou a haver um esforço de trabalho conjunto. “Está cada empresa, individualmente, a resolver o seu problema”, admitiu.

A inventariação das dívidas teve vários momentos. Em primeiro lugar, foi preciso assumir se eram dívidas da responsabilidade directa de organismos públicos do Estado angolano, ou se eram de outras entidades, regionais e locais, que diziam estar respaldadas pelo Estado; mas depois tal respaldo não se verificou.

Depois de se assumir que eram responsabilidade do Estado, era preciso definir qual era o montante da dívida, porque havia contratos com cláusulas que permitiam correcção cambial, e outro assumiam a taxa de conversão à época. A partir do momento em que os montantes de dívida foram caucionados e reconhecidos, “já não foi possível manter a solução agregada em torno de uma posição comum”, admite o presidente da AECOPS.

Ao que o PÚBLICO apurou, houve empresas que quiseram resolver o problema aceitando pagamentos em obrigações do Tesouro, outras preferiram receber o dinheiro de imediato, em kwanzas, mas aceitando haircuts (descontos) elevados, superiores a 40%. E outras empresas ainda, que deviam receber pagamentos faseados, receberam cerca de 10% do devido, mas receiam expor-se ou queixar-se, temendo serem penalizadas e não receberem qualquer valor. Há casos também que preferiram não resolver o problema nesta fase e apresentar as contas depois.

O facto de o FMI ter imposto esta espécie de moratória no sentido de travar nova dívida externa acabou por se traduzir em muitos problemas também nos contratos que estão em execução.

O que os empresários do sector da construção portugueses têm vindo a assistir é a uma nova realidade: por um lado, adjudicações directas de novas concessões a empresas angolanas, como a Omatapalo, que também tem uma filial em Viana do Castelo. Ou então, ao lançamento dos primeiros concursos públicos internacionais, como o que foi lançado em Setembro para adjudicar a concessão do Terminal Multiusos do Porto de Luanda, ou aquele que foi lançado em Dezembro, para a concessão de direitos em minas de diamantes. Duas opções que retiram as empresas portuguesas da equação em obras novas.

Uma coisa parece certa, como confirmou o PÚBLICO junto das empresas de construção que contactou. Apesar das dificuldades ali sentidas desde 2015, o mercado angolano é demasiado importante para abandonar. Os quadros expatriados começaram a regressar à base e mantém-se a tentativa de trazer quadros angolanos para ajudar a combater a escassez de mão-de-obra que existe no mercado nacional.

Mas, diz Pedrosa Gomes, é um erro não continuar em Angola. “Angola depende excessivamente do petróleo e por isso está em crise. Mas é um país de grandes riquezas minerais, enorme potencial, onde ainda faltam muitas estruturas e para onde muitos países da Europa do Norte já começaram a olhar. O conhecimento que as empresas portuguesas têm do mercado angolano será sempre uma vantagem competitiva”, terminou. PÚBLICO

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