De acordo com a especialista, que falava à Lusa no âmbito das celebrações dos 14 anos da Constituição da República de Angola (CRA), hoje assinalados, o texto constitucional angolano contém aspetos positivos, mas também muitos desafios.
O alargamento da carta sobre os direitos e liberdades fundamentais, o poder constituinte que materializou e aprovou a CRA em 2010, bem como a distinção entre as jurisdições, com o papel diferenciado dos tribunais superiores, constituem aspetos importantes da Constituição, notou.
“O próprio papel diferenciado do Tribunal Supremo (TS), do Tribunal de Contas, do Tribunal Constitucional (TC), da Procuradoria-Geral da República, a criação ou a instituição da defesa pública, a Ordem dos Advogados de Angola, como um organismo importante para o Estado de direito, simbolizam progressos da Constituição”, disse.
Margareth Nanga apontou os limites da CRA e o poder descentralizado, reconhecendo o poder das autoridades tradicionais e a valorização do costume, elevando o costume à categoria de direito constitucional, como outros “ganhos importantes”.
O TC angolano promove, a partir de hoje e até sábado, a “Semana da Constituição”, para saudar o 14.º aniversário da Constituição angolana, aprovada em 05 de Fevereiro de 2010 e revista parcialmente, pela primeira vez, em 2021.
Para o Constitucional angolano, as celebrações da carta magna do país constituem uma ocasião “para uma profunda reflexão” em torno dos princípios e valores consagrados na CRA.
Margareth Nanga considerou, por outro lado, que, apesar dos referidos aspetos positivos, a CRA tem muitos desafios, sendo o principal a organização do poder político e a concentração de poderes no Presidente da República.
“O principal desafio é como ela (a Constituição) organiza o poder político e a forma como ela concentra uma série de poderes na figura do Presidente da República, enquanto órgão singular, fazendo deste órgão um super órgão que acaba tendo muitos poderes sobre os demais”, disse.
A também docente universitária afirmou que, como consequência da “super concentração de poderes” no Presidente da República, a Constituição “atenuou, não consagrando de forma explícita, aqueles mecanismos que são fundamentais para efetivação do princípio da superação e interdependência de funções”.
Entre estes apontou "os mecanismos de controlo e fiscalização do poder, como a Assembleia Nacional (parlamento) fiscaliza o executivo, como os tribunais também podem fiscalizar os atos parlamentares, como o Presidente da República supervisiona os atos legislativos da Assembleia Nacional e vice-versa”, explicou.
Segundo a jurista, a CRA angolana é igualmente “regressiva” por não consagrar, em muitos aspetos, garantias que confiram aos cidadãos ou titulares de poderes soberanos a proteção e confiança necessária de poder exercer os seus direitos”.
“Então, são esses os desafios que vejo a partir do texto, mas é claro que depois temos que analisar a CRA numa dimensão prática, como é aplicada, como é materializada”, notou.
A materialização prática da CRA, acrescentou Margareth Nanga, traduz-se num “problema maior em Angola, por se registarem alguns avanços formais na quantidade de direitos que foram consagrados, mas na prática esses direitos não se materializam”.
“E isso agrava o retrocesso da CRA, que é a sua ineficácia, a sua não materialização, a sua não aplicação, então, a falta de concretização da CRA, acaba sendo também ele mesmo um problema da CRA”, argumentou.
O controlo do poder judiciário, com juízes alegadamente envolvidos em corrupção e nepotismo, sem força necessária do Conselho Superior da Magistratura Judicial “para disciplinar os juízes”, levanta, no entender da jurista, a discussão sobre o equilíbrio deste e o seu respetivo controlo.