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Sexta, 07 Mai 2021 14:08

Novo rei do Bailundo será encontrado por votação

O Reino do Bailundo está, desde Março de 2021, a viver uma crise sem precedentes, motivada pela destituição do Rei Ekuikui IV, por alegado abuso de poder e violação de algumas normas costumeiras que regem o reinado.

Insolitamente, face ao incidente de Março, três candidatos (João Cawengo Kassanje, Joaquim Calado e Isaac Tchongolola I (primeiro) concorrem para a eleição do Rei Ekuikui VI, que acontece já a 14 de Julho deste ano.

“É um caso insólito a eleição de um Rei”, começa por dizer à reportagem deste jornal o moto-taxista Mateus Bumba, residente do Bailundo, que acompanha com pesar o cenário a que chegou um dos reinos mais importantes da região centro-sul de Angola. À chuva intensa que se regista por esta altura naquelas paragens, a reportagem deste jornal pôs-se a caminho, num percurso de mais ou menos 60 quilómetros, do município do Huambo ao Bailundo, a fim de mergulhar nos meandros da queda de um Rei – para lá do que foi tornado público pela imprensa – que dizia, repetidas vezes, respeitar apenas a Deus, em primeiro lugar, e ao Presidente da República, João Lourenço, em segundo.

Chegados à Ombala, a meio da manhã de Quarta-feira (5), somos recebidos pelo Rei interino, Isaac Francisco Tchongolola que nos transmite, antes mesmo que nos explicássemos, a ideia de que a corte estaria apenas à disposição da imprensa, para possíveis esclarecimentos que se achassem convenientes, depois do pleito eleitoral reitoral, aprazado para 14 de Julho. Ante a insistência e reverência do articulista, o Rei interino, de 37 anos de idade, explicou que foi criada uma Comissão de Gestão Independente, composta por pastores e membros da sociedade civil, encarregue do processo eleitoral para o qual concorrem três candidatos, sendo dois da linhagem de Katyavala e ele próprio, da linha matrilinear de Ekuikui III (Augusto Katchitiopololo), de quem é primeiro neto. “Não temos mais nada para falar.

O resto, só mesmo depois da eleição”, sugeriu, amavelmente, o nosso anfitrião. Na Ombala, a vida segue normalmente, em a meio a uma crise sem precedentes. Algumas senhoras, maioritariamente esposas de sobas membros da corte, paravam a sua actividade agrícola para ver a equipa de reportagem, mas escusavam fazer qualquer pronunciamento sobre o incidente, temendo represálias até porque, na Ombala, segundo informações, há uma orientação expressa de que ninguém deve prestar informação a pessoas estranhas. E, por aquelas paragens, a palavra do mais-velho é “lei”, quanto mais não seja de sobas ligados à corte. Inocentes como são, algumas crianças, muitas das quais descalças, saltitam de um lado para o outro, depositando a sorte nos adultos a quem cabe definir o futuro da Ombala. Em língua nacional umbundu, a dominante na região, saudávamo-la a elas e a outros sobas que nos circundaram assim que nos viram confabular com o rei interino Isaac I (primeiro).

Sobas a caminho do trono em campanha sui generis

É um facto inédito, diz-se. Pela primeira vez na história do Reino do Bailundo, o voto é a opção encontrada pela corte para escolher o sucessor de Armindo Francisco Kalupeteka. Isaac Tchongolola I (lista nº1), João Cawengo Kassanje (nº2) e Joaquim Calado (nº3) um destes sobas tem a missão de conquistar a simpatia de uma corte composta por 618 sobas. Segundo fontes locais, por se tratar de um processo, o qual chamam de inédito, torna-se difícil vaticinar o quórum de que alguém precise para ser consagrado rei, tão-pouco as regras sobre a natureza da campanha eleitoral, sendo certo que quem estiver em vantagem numérica, obviamente, vai assumir, a partir de 14 de Maio, os destinos da Ombala e, por conseguinte, do reinado.

Nesta altura, cada um dos candidatos está em campanha, havendo, pois, uma ala que aponte o neto legítimo de Katchitiopololo, Isaac Francisco I, como favorito, uma vez que não se quer a voltar a cometer o erro de colocar alguém no poder real que não seja da linhagem. “Eleição é no partido, no soba não é assim. O soba não tem candidato. O elenco da Ombala é que vai transformar o soba, que vai sentar na cadeira”, disse o soba da comuna do Bibi, Angelino Catchindele, em entrevista à Rádio Mais. Entretanto, os outros dois candidatos, na casa dos 60, reclamam legitimidade, por serem da linhagem de Katyavala, que governou há 400 anos. “Assim são o quê: netos, bisnetos ou trisnetos? Coisa impossível. Desta vez, há que se ter muito cuidado”, adverte um soba, membro da corte, sob anonimato.

Abusos intoleráveis: erros fatais

Ao Rei Ekuikui IV, de quem se diz ter sido uma espécie de filho adoptivo de Katchitiopololo, a quem sucedeu no trono, imputam-se-lhe vários erros ao longo do seu curto reinado, iniciado em 2012. Em condições normais, por ter sido da linhagem, um dos três filhos de Katchitiopololo seria o herdeiro legítimo do trono, mas este, por ter sido criado pelo falecido rei, usurpou o poder e terá arranjado artimanha para afastá-los, com acusações de feitiçaria, uma vez que a corte estava manietada por ele, como sugeriram várias fontes. Na vigência do seu poder real, continuam as fontes, um dos erros foi o facto de ter humilhado alguns sobas e se ter convencido de que, apesar de o Huambo ter vários reinos, designadamente Tchiaka, Sambo, Huambo e Tchingolo, o seu era o único reconhecido pelas autoridades administrativas, daí que tenha afirmado que ele não podia estar em pé de igualdade com os demais reis. “E também, infelizmente, o nosso rei tinha afrontado a administração local. Ele dizia que não era um rei qualquer, porque era universitário”, asseverou um nativo. As tentativas deste jornal de contactar o rei deposto redundaram em fracasso, por se encontrar incomunicável.

Necessidade de se conservar a mística

O receio de muitos nativos do Bailundo prende-se, essencialmente, com facto de – por cenário desta natureza nunca ter acontecido no Reino do Bailundo – vir a ser, eventualmente, posto em causa determinadas místicas, identidades e padrões culturais à volta deste importante reino dos ovimbundos. De tal sorte que a Associação dos Naturais e Amigos do Bailundo, antevendo desrespeitos, a julgar pela forma como o rei foi deposto, tenha advertido para a necessidade de não se perder de vista alguns aspectos culturais. Ao Jornal OPAÍS, na sua residência, no Bailundo, o reverendo pastor Manuel Chimuco, da Igreja Evangélica Congregacional em Angola, explicou que, tão logo despoletou-se o processo, a associação sentou com as partes envolvidas, tendo aconselhado para não se extrapolar a essencialidade cultural do reino. “Tem que se respeitar o Reino, dada a sua historicidade e tempo. Este reino é muito antigo”, considera o reverendo pastor, sublinhando, porém, ser um caso sui generis um rei, no Bailundo, ser eleito. “Porquê que nós insistimos que se desrespeite a mística? Porque se não um indivíduo qualquer vem para aqui e diz que quer ser rei, e não se respeita a linhagem”, frisou.

Rei destituído “exila-se” em Luvemba

O deposto Rei Ekuikui IV afastou-se do centro da cidade e, deste modo, fixou residência na comuna de Luvemba, a 35 quilómetros do município do Bailundo. Segundo fontes contactadas, no Bailundo, Armindo Kalupeteka decidiu “exilar-se” naquele região, para se afastar de toda azáfama à volta do processo que culminou com a sua destituição do posto de rei. As fontes deste jornal sugerem que ele também quer estar distante dos holofotes, pois, volta e meia, está a imprensa a incomodá-lo sobre este ou aquele assunto. Saliente-se que o rei foi deposto, em Março de 2021, por ter, alegadamente, ordenado um castigo a um cidadão, em sede de julgamento tradicional, que resultou na morte do mesmo. Depois de ter sido julgado e condenado por um Tribunal civil, a corte deliberou a sua destituição do cargo. Recentemente, realizou-se, na Ombala, uma cerimónia com o objectivo de apagar o fogo do Rei Ekuikui V.  OPAIS

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