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Sábado, 23 Abril 2016 06:52

A Angola escrita nos papéis do Panamá

No dia 18 de Janeiro de 2001, o escritório da sociedade de advogados panamiana Mossack Fonseca no Luxemburgo enviou um e-mail à sua sucursal nas Ilhas Virgens, alertando para 4 empresas fachada angolanas: Sicas, Ka Lumba, Shaman e Halifax. “Há políticos envolvidos nesta estrutura e o nosso contacto na KPMG informou-nos de que seria melhor para nós abandonarmos estas empresas por causa do risco”.

Por Leston Bandeira | AM

Os “papéis do Panamá” serão só uma peça do puzzle, pois há outras “off-shore” usadas para lavar dinheiro sujo. Não constituem surpresa para os mais atentos. Mas fazem alguma luz, e acrescentam algum pormenor, sobre aquilo que sempre se suspeitou ao longo de anos de opacidade das contas públicas: que há anos que dinheiro público proveniente dos petróleos vem sendo desviado em grande escala – e em benefício da elite.

Nos mais de 1000 documentos sobre Angola, analisados pelo Consórcio Internacional de Jornalistas, conta-se a estória de uma comissão de 15 milhões de dólares, que começa em 2007, quando o Banco Espírito Santo envia um contrato para a Mossack Fonseca estabelecendo que a empresa-fantasma Markwell iria apoiar a Angola Natural Resources (ANR). O objectivo era obter grandes participações em licenças de exploração de petróleo. Por isso, a Pisong, outra empresa fantasma, comprometia-se a fazer um pagamento de 15 milhões em três tranches. A última seria paga quando a ANR conseguisse as licenças.

Entretanto a ANR passou a ser subsidiária da Escom investiments, fundada pelo luso-angolano José Helder Bataglia dos Santos e cujo director executivo é Pedro Ferreira Neto, também director da Pinsong. Em 2007, Manuel Vicente abre as licenças para exploração de petróleo nos blocos 9, 20 e 21. Estas licenças foram entregues à ANR.

Passadas as licenças, os 15 milhões ficam à disposição de quem? Os investigadores colocam duas hipótes: ou foram para Bataglia, fundador da Escom, ou para Manuel Vicente, que através da Aquattro Internacional S.A. estava ligado à maior parte dos interesses do Grupo Espírito Santo em Angola.

Os blocos petrolíferos 9, 20 e 21 estão agora no centro de uma investigação do sistema judicial dos Estados Unidos em que a Cobalt International Energy terá pago para ver assegurado o direito de licenças de exploração. Altos responsáveis da Cobalt confirmam o envolvimento de políticos e de militares neste processo. Entre os apontados estão Manuel Vicente, o general Kopelipa e o general Leopoldino Fragoso do Nascimento “Dino”.

Outra das revelações é que o enteado do vice-presidente, Manuel Vicente, Mirco de Jesus Martins é citado como testa-de-ferro em várias empresas offshore constituídas nas Ilhas Virgens Britânicas ligadas a importantes figuras da política angolana. A própria Mossack Fonseca, a firma de advogados panamiana donde saiu a fuga de informação para todo o Mundo, não tinha dados sobre essas figuras.

Algumas destas empresas foram criadas com 300 dólares e rapidamente foram extintas, indício claro que teriam servido para esconder contas bancárias e acções de outras empresas.

Na tentativa de saber quais os reais proprietários das empresas em que Martins apareceu como último beneficiário, a Mossack Fonseca teve de pedir ajuda a outros agentes para criar empresas de fachada. Uma delas, a Interfina, é referida num documento de 2013 como gestora de quinze instituições, entre elas a Halifax, General Corporate, Farvel e Kumar, detentoras de contas bancárias no Líbano, Portugal, Gibraltar e Suiça.

As outras cinco – como Shaman e Sicas – têm acções portuguesas e em duas empresas ligadas à aviação que se identificam como de compra e consultoria.

O genro de Manuel Vicente teve que garantir à Mossack Fonseca não ter já ligações a entidades financeiras angolanas, como o Banco Kwanza, mas confirmou que teve acções da Sakus, uma empresa fantasma que tinha 3,6 por cento do capital do Banco de Investimento Africano (BAI) de Angola.

Estes 3,6 por cento deram origem a uma investigação dos Estados Unidos e do HSBC porque 40 por cento das acções eram detidas por figuras políticas, incluindo Manuel Vicente.

Nas próximas semanas, haverá com certeza mais sobre estas operações. E muito ficará seguramente por saber.

O produto do trabalho de investigação de mais de dois anos por centenas de jornalistas é este retrato, tanto em países pobres como nos ricos: grupos de indivíduos, em associação ou isolados, criaram uma espécie de mealheiro onde colocavam o dinheiro que era e não era deles; a maior quantia era, de resto, produto de fuga aos impostos, mas grande parte é dinheiro desviado de cofres públicos.

Agora chegou a vez de Angola. Agora o povo, na sua luta diária pela subsistência – e pela sobrevivência às doenças – vai percebendo. Vai entendendo como foi possível.

 

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