“No nosso país tem havido um grande descontrolo e assistimos à captura dos agentes políticos portugueses pelos mais diversos interesses”, nota Ana Gomes, 61 anos, eurodeputada socialista.
A declaração vem a propósito da votação organizada pela Transparência Internacional sobre 15 casos de grande corrupção mundial, dos quais fazem parte dois que diretamente envolvem Portugal. Isabel dos Santos, filha do Presidente de Angola, e o caso BES/Ricardo Salgado, fazem parte do elenco, que inclui ainda o Lava Jato (corrupção na Petrobrás) e o regime da Guiné Equatorial, indirectamente relacionados com o nosso país.
“Não é por acaso que Portugal é conhecido em Angola como a ‘lavandaria’”, ironiza a socialista que faz parte do Intergrupo Parlamentar para a Integridade e para a Transparência.
“Nem com a troika, que tinha o dever de monitorizar o Estado, a situação mudou. Houve uma negligência total para impedir a corrupção de grassar», nota a eurodeputada. O facto de Portugal ser uma pequena economia aberta e do país manter relações em muitas partes do mundo são características que, no seu entender, facilitam os fenómenos de corrupção. “E também por desígnio político”, sublinha, evocando o caso dos Vistos Gold, que não fazem parte da lista mas que foram a origem de um convite da Transparência Internacional para discursar na última grande reunião da ONG, na Malásia, em setembro deste ano. “Os programas de promoção do investimento existem em vários países europeus, mas em Portugal não há controlo, há laxismo”, nota.
Ana Gomes fez parte do grupo de cinco eurodeputados que escreveu cartas ao presidente do Grupo de Ação Financeira, à Comissão Europeia, aos Banco Central Europeu e à Autoridade Bancária Europeia a exigir uma investigação aos investimentos de Isabel dos Santos em empresas portuguesas. A compra de 65% da Efacec Power Solutions foi a pedra de toque da iniciativa dos eurodeputados, que chamavam a atenção para o facto de existirem “dúvidas legítimas” de que o Estado Angolano estivesse a financiar indiretamente “aquisições privadas da senhora Isabel dos Santos, incorrendo em inúmeras ilegalidades”. Na missiva enviada às entidades supervisoras e administrativas, os eurodeputados notavam ainda que Isabel dos Santos é uma Politically Exposed Person (Pessoa Exposta Politicamente), o que, segundo a regulação europeia anti-lavagem de dinheiro, obrigaria as entidades bancárias a averiguar a origem dos fundos usados na transacção. “É inacreditável a complacência das autoridades portuguesas, da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários e do Banco de Portugal”, considera Ana Gomes.
Luís Amado, atualmente presidente do Conselho de Administração do Banif, é outro alvo da sua ira. “Ele não tem nenhum respaldo do PS para ser o ‘agenciador’ da Guiné Equatorial. Critiquei-o e continuarei a fazê-lo”, assegura a eurodeputada sobre o seu colega de partido e ex-ministro dos Negócios Estrangeiros do governo de José Sócrates.
A Guiné Equatorial, rico produtor de petróleo, é um pária internacional, por causa do desrespeito continuado dos Direitos Humanos e pela corrupção. No seu regime jurídico mantém-se a pena de morte (em relação à qual apenas existe uma moratória) e a língua portuguesa nem sequer era ali falada. A Guiné Equatorial é dirigida desde 1979 por Teodoro Obiang Nguema, que ainda em Novembro defendeu, no congresso do seu partido, que se devia “cortar os tendões dos pés” aos delinquentes para que estes pudessem ser mais facilmente identificados pela população.
O filho do líder da Guiné Equatorial, também ele Teodoro, faz parte da lista de 15 casos da Transparência Internacional. Nomeado pelo pai segundo vice-presidente do país, foi alvo de processos judiciais nos Estados Unidos da América e em França, onde propriedades e bens foram confiscados por receber subornos relacionados com investimentos no setor petrolífero do país. Em França, existem ainda acusações de lavagem de dinheiro.
Em 2014, soube-se que uma empresa estatal ou um fundo soberano do país pretendia investir 133 milhões de euros no Banif, banco onde a maioria do capital é, neste momento, do Estado Português. Luís Amado defendeu com unhas e dentes o memorando de entendimento entre o Banco e o regime guinéu-equatoriano, assegurando que o investimento estava a ser acompanhado pelas autoridades de supervisão portuguesas. Reconheceu ainda que fora nomeado presidente do Banco por ter sido ministro dos Negócios Estrangeiros, “pelo facto de conhecer o mundo” e pela experiência acumulada. "Creio que não há nenhum crime nisso. Ou há?", perguntava, ainda durante a entrevista que deu à Antena Um/Diário Económico.
Visao