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Quarta, 28 Janeiro 2015 16:31

Falar de crise do preço do petróleo é um movimento para distrair a população

O presidente do maior partido na oposição, Isaías Samakuva, chamou, na semana passada, os jornalistas, para falar não só da queda do preço do ouro negro no mercado internacional, mas também de outras questões que fazem o país político.

O custo de vida está a aumentar. Pelo menos, o preço do pão tende a esticar e dos transportes também. No mercado informal, a nota de 100 dólares já está a ser transaccionada a 13 mil Kwanzas, contra 10 mil e 300 no mercado formal.

Os analistas dizem que a volatilidade do mercado de cambiais é um perigo para o futuro da economia nos países dependentes das receitas petrolíferas, a exemplo de Angola, podendo mesmo levar à agitação social.

Terá sido a olhar para este cenário que o presidente da UNITA, Isaías Samakuva, acenou, no princípio desta semana, os jornalistas de diferentes órgãos de comunicação social nacionais e estrangeiros para transmitir os pontos de vista do partido sobre a problemática da queda do preço do petróleo no mercado internacional e da redução dos subsídios aos combustíveis. O líder da segunda maior força política do país avança que o aumento dos preços dos combustíveis vai provocar problemas económicos e financeiros graves ao cidadão comum.

Por isso, diz Samakuva, a redução dos subsídios devia ser gradual, selectiva e programada. "Ao serem reduzidos os subsídios aos combustíveis, não deviam sustentar o despesismo, mas suportar áreas mais vulneráveis. Há que proteger o cidadão que nada tem", defendeu o político, que sugere, para se ultrapassar a situação, a revisão urgente do Orçamento Geral do Estado (OGE), o que passa "por um diálogo aberto e fraterno entre os diversos grupos na Assembleia Nacional e os parceiros sociais, para não ser apenas uma coisa imposta".

No diálogo que "deve ser sério", como fez questão de referir Isaías Samakuva, é preciso, por exemplo, identificar o valor total e real das reservas acumuladas ao longo dos anos. "Devíamos procurar identificar, com transparência, as receitas públicas que não estão contabilizadas nem orçamentadas no OGE".

Cálculos avulsos apresentados pela UNITA, no Hotel Alvalade, apontam para 30 a 70 mil milhões de dólares o valor acumulado ao longo dos últimos anos (superávit), mas que não se sabe onde terá sido aplicado. É por isso que o Galo Negro tem exigido, no Parlamento, uma auditoria às contas da Sonangol, a estatal petrolífera que tem perto de 70 subsidiárias que, supostamente, servem de canais de escoamento de biliões. Esta intenção para por tudo em 'pratos limpos' tem sido barrada. De acordo com o deputado do grupo parlamentar dos 'maninhos', Fernando Heitor, seria uma oportunidade para sabermos o que produziram para o país os investimentos da Sonangol.

Para o também consultor internacional, faça-se um inquérito à Sonangol naquilo que deve ser o saneamento às suas contas e ver-se-á se não estará melhor ou pior que o Banco Espírito Santo Angola (BESA). À luz do que se supõe ser um superávit bastante para alavancar outros sectores inerentes à propalada diversificação da economia,a UNITA entende que falar hoje de crise é mero exercício para distrair a população, a fim de depois o Executivo justificar incumprimentos na execução dos programas de benefício geral.

Os indicadores de crise, exemplifica, vêm de Portugal, com uma dívida pública na ordem de mais de 100 por cento do Produto Interno Bruto (PIB) e não de Angola, um país com uma dívida pública abaixo de 50% do PIB. "Num país que está a despertar cada vez mais a apetência dos investidores estrangeiros, acha que isso são indicadores de crise?", questionou Fernando Heitor, explicitando que ela não surge num horizonte de dois a três meses da baixa do petróleo e justificando que houve anos (incluindo no tempo de guerra) em que o 'ouro negro' custava menos e nunca existiram alardes.

"Aqui não há crise. Isso é uma artimanha para preparar as pessoas para os incumprimentos dos programas sociais. Não devemos aceitar isso, porque, em tempos de vacas gordas, este Governo nos disse que os excedentes estavam a ser guardados entre cinco a oito ou 10 mil milhões de dólares no Fundo Soberano de Desenvolvimento de Angola (FSDEA). É suposto que este dinheiro seja aplicado num negócio de alta rentabilidade, mas que negócio?", volta a questionar Heitor, para quem a Conta Geral do Estado tem sido mal apresentada.

"O grande problema é que aqui não se dialoga. Perdemos a oportunidade de tratar daquilo que é nosso e que interessa aos nossos filhos, netos e a Angola. O diálogo deve abranger todos os sectores da sociedade, incluindo o MPLA. Se o petróleo está baixo, está tudo muito bem, mas também já esteve alto durante muito tempo. E estamos a falar de crise? É uma forma de fazer esquecer as pessoas dos problemas fundamentais", reitera Isaías Samakuva, acrescentando que, para além do Fundo Soberano, se criou a Reserva Estratégica para Infra-estruturas de Base.

"Devemos abordar esta questão com serenidade e transparência. O Governo precisa de encetar o diálogo para nos explicar onde estão os fundos, porque ninguém presta contas sobre os excedentes", defendeu o político, deixando escapar que os dinheiros do Estado, na ordem de centenas de milhões, terão sido distribuídos a meia dúzia de indivíduos. Nesta lógica, um grupo pequeno fica com tudo, enquanto se esquece das questões vitais que tocam o cidadão.

O problema que vivemos, insiste o líder do 'Galo Negro', não é tanto da produção petrolífera, reside nos gastos, havendo um despesismo enorme para as coisas supérfluas, por um lado, e, por outro, a falta de transparência.

A UNITA, segundo o seu presidente, espera que o OGE rectificado entre rapidamente para ser aprovado, tendo em conta a necessidade de salvaguardar as camadas mais vulneráveis. Isaías Samakuva reconhece que "não é fácil governar o país, mas alerta aos colegas que estão no leme da governação a serem menos fantasistas". Em média, o OGE é executado entre 65 % a 70%. Isso, na sua óptica, demonstra que o Executivo não dá importância à política orçamental, mas, sim, à monetária.

Revisão Constitucional.

O encontro da liderança da UNITA com os jornalistas não teve agenda específica, mas serviu para discorrer sobre várias questões que fazem o país nos distintos domínios. Por exemplo, quanto à Constituição prestes a completar cinco anos, a formação política defende que o debate para a sua revisão deve começar já na sociedade.

A actual Carta Magna, como declarou, não é do agrado de muita gente. Por isso, na elaboração do novo instrumento, o líder recomenda prudência, havendo questões que, no seu entender, ainda devem ficar na 'manga' para serem apresentadas no momento apropriado. À insistência dos jornalistas sobre a maka dos símbolos nacionais recentemente levantada pela UNITA, mormente a necessidade da mudança da Bandeira e do Hino Nacional, Samakuva respondeu com o exemplo da África do Sul, onde, "no quadro da reconciliação nacional, a bandeira teve de levar pedaços (cores) de outras forças políticas do país".

Na senda da teimosia dos escribas, levantou- se também o assunto das datas históricas à guisa do 4 de Fevereiro, que é de celebração nacional, mas muitas vezes associado só ao MPLA. "O 4 de Fevereiro de 1961 não foi acção de uma organização como tal", notou Samakuva, admitindo, por outro lado, que o 15 de Março, reivindicado pela FNLA como marco do início da luta armada de libertação nacional, terá sido uma iniciativa da UPA, considerando que a primeira manifestação pode ser o triste massacre de angolanos na Baixa de Cassanje, a 4 de Janeiro do mesmo ano.

Na conversa de pouco mais de duas horas com os jornalistas, a UNITA expôs, igualmente, o seu pensamento sobre a liderança de Angola na Conferência Internacional da Região dos Grandes Lagos (CIRGL) e sobre a incursão do país no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Para falar sobre estas matérias, Samakuva chamou o secretário para as Relações Internacionais do partido. Alcides Sakala fez saber que a questão dos Grandes Lagos não se resolve com discursos, por ser uma região que vive conflitos há décadas.

"Merece melhor acção diplomática do que militar", defendeu, acrescentando que, se a ideia que prevalece é passar à ofensiva armada, deve existir abertura política para a busca de soluções duradouras. Por conseguinte, na busca de soluções para os conflitos no continente, o político considera que a OUA teve maior protagonismo que a actual União Africana (UA). Quanto à presença do país no Conselho de Segurança, o maior partido na oposição alega que ser membro não-permanente daquele importante órgão das Nações Unidas implica a mudança de postura internamente nas áreas sensíveis com dos Direitos Humanos.

Congresso e Deserções.

A UNITA realiza, este ano, o seu 11.º congresso, durante o qual se aguarda por uma nova liderança. Confrontado se vai avançar para a sua sucessão, Samakuva afirma que "esperemos que, na altura apropriada, as pessoas conheçam os candidatos". Os estatutos do partido não impedem que o actual líder entre na corrida para mais um mandato. Aliás, é praticamente assim que as coisas funcionam em quase todas as formações políticas do país e do mundo.

Aqui, como se pode depreender, o limite deve ser a consciência se o indivíduo tem pachorra para aguentar mais ou não. De resto, as candidaturas aceites serão aquelas que tenham pelo menos 15 anos de militância e com as quotas pagas. Isaías Samakuva foi também instado sobre o rol de deserções que têm sido noticiadas, sobretudo pelos órgãos públicos de comunicação social, particularmente a TPA, argumentando que não passam de manobras, quando até o MPLA vem perdendo aceitação um pouco por todo o país.

Além de Fernando Heitor e Alcides Sakala, no 'bate-papo' com os jornalistas, interveio o deputado Adalberto da Costa Júnior, com subsídios não menos importantes sobre a intervenção da oposição no Parlamento (onde diz que se tem feito o possível, porque a Constituição não permite a prestação de contas pela governação), ou ainda, a questão da aprovação da Lei de Imprensa que, por ser já caduca em muitos aspectos, precisa de ser repensada. Como fez questão de sublinhar, "precisamos de uma nova lei de imprensa e não regulamentar a antiga, porque houve uma evolução enorme e há muitas cláusulas que não existem, ou as que existem, foram ultrapassadas".

O estatuto do jornalista precisa de uma nova moldura e enquadramento, para que este profissional exerça o seu papel na sociedade, sem constrangimentos que impendem o exercício de um ofício cada vez mais sério, isento e actuante.

AGORA

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