O momento mais polémico ocorreu durante o debate sobre os acontecimentos de 28, 29 e 30 de Julho – dias marcados por greves de taxistas, que resultaram em actos de vandalismo, pilhagens, destruição de bens públicos e privados e na morte de mais de 40 pessoas – quando o deputado independente Francisco Viana responsabilizou directamente o Presidente João Lourenço pelo sucedido, devido o agravamento da crise social e económica desde que assumiu o poder.
Antes que pudesse concluir a sua intervenção, Carolina Cerqueira interrompeu-o de forma abrupta e pouco cordial, gesto que, segundo vários analistas, simboliza a crescente personalização do poder dentro da Assembleia Nacional.
O veterano jornalista Graça Campos, antigo director do Semanário Angolense, reagiu com dureza nas redes sociais.
“Se dependesse exclusivamente de Carolina Cerqueira, a Assembleia Nacional – o mais importante órgão de soberania, na medida em que resulta de eleição directa – já teria sido transformada num Comité de Acção do MPLA, de que ela seria, obviamente, coordenadora.”
Graça Campos acrescentou que a presidente da Assembleia “não consegue disfarçar o incómodo, e até certo pânico, sempre que qualquer deputado da oposição alude a João Lourenço, seja nas vestes de Chefe de Estado, seja nas de Titular do Poder Executivo”.
“À mais leve alusão ao Presidente, Carolina Cerqueira reage com advertências, como se o Parlamento tivesse por missão proteger a imagem do Titular do Poder Executivo e não debater livremente os problemas do país”, criticou.
Para o jornalista, este comportamento “fragiliza a independência do Parlamento” e compromete a separação de poderes.
“Por excessiva e despropositada, a caxiquice política já começa a cheirar a submissão institucional, algo incompatível com o papel que a Constituição reserva à Assembleia Nacional.”
O analista social Henda Ya Xiyetu também não poupou críticas, citando como exemplo outra parte da intervenção de Francisco Viana, na qual o deputado mencionou que João Lourenço teria utilizado fundos do Estado para levar apoiantes (militantes do MPLA) na sua recente visita estatal, a Portugal, enquanto a população enfrenta a fome severa.
“Ao ouvir isso, Carolina Cerqueira reagiu como se tivesse sido cometida uma afronta grave, tentando silenciar o deputado. Mas Francisco Viana não recuou, manteve o discurso até ao fim e mostrou que ninguém deve ser silenciado à força no Parlamento”, relatou.
Para Henda, a presidência da Assembleia corre o risco de “transformar um espaço de debate plural num palco de intimidação política, onde críticas legítimas se tornam alvo de censura tácita”.
“A dose de lealdade política já ultrapassou o razoável. O Parlamento não pode funcionar como um apêndice do poder executivo nem como um espaço de reverência pessoal ao Presidente da República”, alertou.
A crescente percepção de que a Assembleia Nacional actua como uma extensão da Presidência da República levanta preocupações sobre a saúde da democracia angolana.
Especialistas ouvidos pelo Imparcial Press recordam que a função primordial do Parlamento é fiscalizar o Executivo e garantir o equilíbrio entre os poderes e não proteger figuras políticas de críticas legítimas.
O episódio reacende o debate sobre o grau de autonomia do poder legislativo em Angola e a necessidade de que a condução dos trabalhos parlamentares respeite não apenas as regras regimentais, mas também os princípios constitucionais que asseguram o pluralismo e a liberdade de expressão. Imparcial Press