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Sábado, 02 Abril 2016 12:51

O que Cuba deu - e o muito que levou - de Angola

As autoridades cubanas entregaram, às Força Armadas Angolanas (FAA), um acervo militar das suas “forças internacionalistas” de “libertação pela independência” de Angola. Esta cerimóna, no Museu das Forças Armadas em Luanda, é um bom pretexto para pôr alguns pontos nos iis. Pois há 40 anos, quando as suas tropas sustentavam o esforço militar, foi muito o que seguiu para Cuba: dinheiro, carros, material hospitalar e até fábricas inteiras.

Por Leston Bandeira | AM

As ofertas incluem a bússola de marca Silva, utilizada pelo comandante Raul Dias Arguelles na batalha do Ebo, onde as forças cubanas, sem a incorporação de qualquer militar das FAPLA derrotaram um exército de militares da UNITA e da FNLA. Arguelles viria a falecer em Dezembro de 1975, depois de já ter derrotado , em Quifangondo, as forças que invadiram Angola a partir do Norte, com militares da FNLA, de Mobutu , mercenários e soldados do ELP.

Do acervo histórico agora entregue às autoridades angolanas faz também parte o mapa de composição de tropas na Batalha do Cuito Cuanavale e um telefone de campanha do primeiro Presidente angolano, Agostinho Neto. A entrega foi feita pela embaixadora de Cuba em Angola, Gisela Garcia Rivera, ao ministro da Defesa Nacional, João Lourenço. 

A História das intervenções cubanas em África está narrada num livro de Piero Gleijeses: Conflicting Missions: Hawana, Washington and África – 1959-1976, publicado plea University of North Caroline, Chopel Hill, 2001. Narra que, desde a primeira hora, a Cuba de Fidel Castro entendeu que era apoiando os povos ainda dominados pelo que chamavam de colonialismo norte-americano que podia construir a sua independência.

No princípio dos anos 60 incentivou focos de rebelião por toda a América Latina: Venezuela, Argentina, Perú, Nicarágua, Honduras e República Dominicana. Esta actividade foi fortemente contrariada pelos Estados Unidos e deixou os soviéticos inquietos, já que se sentiam comprometidos com as regras da Conferência de Yalta e com a estratégia de convivência pacífica.

Cuba, segundo Gleijeses, preferiu fazer a sua própria estratégia e, uma vez que as acções na América Latina não tinham resultados, virou-se para a solidariedade e apoio aos movimentos de libertação nacional do Terceiro Mundo, com a ideia de criar um bloco de países livres do domínio colonial americano e europeu, mas também independentes de Pequim e de Moscovo.

Em finais de 1964, princípio de 1965, depois do muito relatado fracasso da intervenção cubana no Congo, Ernesto Guevara visitou Argélia, Mali, Congo Brazzaville, Guiné, Gana, Benim e Tanzânia. Contactou um conjunto de governos e movimentos de libertação, especialmente o MPLA em Brazzaville e os Simbas em Dar Es Salaam.

Da entrevista com Victor Dreke, lugar-tenente de Che Guevara no Congo e mais tarde chefe da missão na Guiné Bissau, o escritor concluiu que a importância da missão no Congo avalia-se sobretudo pelas ligações forjadas em Brazza com o MPLA e com o PAIGC. 

A partir de 1965, o papel de Cuba na luta do PAIGC tornou-se segredo bem guardado porque Amilcar Cabral estava determinado em fazer da confiança a chave para a vitória. As tarefas dos cubanos eram sobretudo ensinar a manobrar a cada vez mais sofisticada artilharia soviética e apoio médico nas chamadas zonas libertadas. Neste aspecto, Cuba e o PAIGC têm sérias divergências.

A intervenção cubana em Angola ganhou foros muito próprios porque o exército que por ali foi passando - bem pago em dólares por cada soldado, mas que eram entregues ao Estado cubano - se comportou, de facto, como um exérito de ocupação. Conhecendo as debilidades do MPLA, comandou toda a guerra contra a UNITA e forças da República da África do Sul, culminando com a grande vitório do Cuito Canavale.

Mas não pode deixar de se salientar que as tropas cubanas não tentaram a aproximação com as populações angolanas e este terá sido o maior erro político de Fidel. Os seus soldados roubavam tudo quanto podiam, mesmo quando eram convidados por angolanos para suas casas. Há exemplos clássicos: equipamentos acabados de chegar a Angola para fábricas diversas (recordo-me de uma fábrica de mosaicos) eram metidos nos navios que traziam o armamento, com destino Havana.

E há mais: o desbaste das florestas angolanas, nomeadamente em Cabinda, a utilização das quotas de café que Angola deixou de produzir, os roubos de viaturas e de mobílias de casas. Há a utilização do território angolano para negócios de droga - um dos crimes de que foi acusado, julgado e condenado à morte o general Ochoa, herói de guerra. Tudo isso, e mais o que se virá a saber, não compensa as ofertas de pequenas bugigangas agora feitas para cobrar a gratidão e a estima de um povo que mais do que pagou a guerra ganha pelos militares cubanos.

Ao permitir este comportamento das suas tropas, a liderança cubana esqueceu a sua estratégia inicial: libertar povos ainda dominados pelos colonialismos americano e europeu e construir um bloco, também sem sujeição a Moscovo e a Pequim.

É evidente que não pode deixar de se lamentar a morte de 2.077 soldados cubanos numa guerra que não era deles e também os feridos e os que viram as suas famílias desfeitas. Assim como temos que sublinhar que estes soldados não tiveram o soldo a que tinham direito, já que o Estado ficava com grande parte dele. E, a esses, Angola sempre pagou.

Cuba não cumpriu a sua estratégia de criar um bloco de países livres e agora até percebe que os africanos não estão muito interessados em contar a sua História em África porque seria um contraponto pouco simpático ao neoliberalismo que entretanto também se instalou em África.

Todavia, no que a Cuba diz respeito há o ganho de um país que representa um porto de abrigo para milhares dos seus cidadãos, que, sob a capa de cooperantes, continuam a trabalhar nos mais diversos sectores. E, todavia, seguem dando parte dos seus salários a um Estado que se propunha libertar países e gentes.

 

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