Esse grupo juntar-se-á aos cerca de 50 consultores, maioritariamente portugueses, que actualmente assessoram Isabel dos Santos na Sonangol. Os consultores trabalham para a multinacional norte-americana Boston Consulting Group e para o escritório português de advogados Vieira de Almeida, que em conjunto praticamente administram a maior empresa pública angolana.
Dois graves problemas se levantam, no entanto, com a vinda do contingente português.
Em primeiro lugar, revela a inexistência de concurso público internacional para o recrutamento, o que desde logo indica a manutenção da falta de transparência, da falta de diálogo corporativo entre a liderança e os trabalhadores, bem como da falta de racionalidade económica na tomada de decisões.
O segundo problema tem que ver com a questão de soberania. A Sonangol tem o mandato do povo angolano para gerir a sua maior fonte de riqueza. Passados 40 anos da independência, como adiante se explicará, essa fonte de riqueza – que há muito está a saque pela família presidencial – é entregue de bandeja a um grupo de portugueses cujo respeito pelos interesses do povo angolano e cujas competências de gestão devem ser questionados e esclarecidos.
Maka Angola propõe-se então a esmiuçar estes dois problemas.
Primeiro problema: falta de transparência
Na contratação dos 120 portugueses não existe qualquer indício de que tenham sido seleccionados os melhores. Desconhece-se que tenha sido lançado um concurso público internacional para recrutamento de técnicos estrangeiros para a Sonangol. Se isto tivesse acontecido, certamente a nacionalidade dos recrutados seria mais variada. O processo demonstra que Isabel e os seus gestores e assessores portugueses provavelmente enveredaram pela prática do compadrio ou da arbitrariedade no recrutamento desta força de trabalho.
Importa esclarecer que não se trata de levantar a questão da contratação de estrangeiros para cargos na Sonangol. Não deixa de ser chocante, no entanto, que após 40 anos de independência e de governo do MPLA, e 37 anos de José Eduardo dos Santos no poder, o sistema educacional angolano seja exposto como incapaz de produzir quadros angolanos que mereçam ser recrutados para colaborarem na reestruturação da Sonangol.
Mais chocante ainda é o facto de a Sonangol gastar, há décadas, dezenas de milhões de dólares anuais na formação de quadros no exterior do país. Maka Angola conhece o caso de 50 funcionários que, depois de formados no Ocidente, passaram três anos a receber salários sem colocação, tendo alguns requerido licença sem vencimento ou desvinculação para outros sectores da função pública ou do sector privado. As culpas agora podem ser todas jogadas para a casaca de Manuel Vicente, que também adorava a consultoria externa em detrimento da boa gestão dos quadros nacionais. Tudo para que os angolanos inteligentes, sérios e patriotas não se opusessem ao saque em curso. É preciso lembrar que, até 2012, quando foi pontapeado para cima como vice-presidente, Manuel Vicente era considerado por destacados analistas angolanos e portugueses como um dos melhores gestores africanos, para além de outras laudas inebriantes.
Atente-se a um pormenor: grande parte do batalhão actual de consultores de Isabel dos Santos, os tais reestruturadores, são jovens portugueses estagiários que diariamente surpreendem os técnicos da Sonangol com a sua gritante inexperiência. Vieram para Angola aprender, e estão a fazê-lo de forma histórica, exercendo o controlo sobre a nossa maior fonte de riqueza. Alguns estagiários, de forma ingénua, não se coíbem de distribuir os seus cartões-de-visita, em que honestamente se apresentam como estagiários.
As medidas iniciais de Isabel dos Santos na Sonangol comprovam a renovação da mentalidade de confiança absoluta na consultoria externa (mesmo que seja maioritariamente de estagiários). Essa mentalidade continua a desprezar a necessidade de políticas de gestão sérias, transparentes e lícitas, que permitam o recrutamento, a elevação do profissionalismo e ascensão dos melhores quadros angolanos, assim como o mais eficaz aproveitamento de estrangeiros de reconhecida competência e capacidade técnica para o bem da nação angolana.
Outrossim, é pública a informação de falência técnica da Sonangol, admitida pelo próprio presidente José Eduardo dos Santos, quando recentemente afirmou que a empresa, desde Janeiro, já nem sequer entrega receitas para o OGE.
Assim sendo, estamos perante o caso de uma empresa falida que começa o seu processo de reestruturação com uma contratação que consumirá milhões de dólares por ano, sem antes ter procedido a despedimentos. Tendo em conta que se trata da empresa pública que gere a maior fonte de rendimentos que deveria ser do povo angolano, a nova administração bem poderia antes disso apresentar publicamente um plano de recuperação financeira e de gestão.
Tendo em conta os factos apresentados, a verdade, porém, é outra: as medidas tomadas e o comportamento da equipa de Isabel dos Santos revelam que não há nem haverá transparência, boa gestão e eficiência na Sonangol. Mudam-se apenas os ladrões.
Segundo problema: a rendição formal da soberania nacional
A Sonangol está a celebrar este ano 40 anos de existência. Angola conquistou a independência de Portugal há 40 anos, e agora Isabel dos Santos entrega a Sonangol nas mãos dos portugueses, sem explicar com que argumentos favoráveis.
Porquê? Depois de praticamente estar a perder as suas batalhas de afirmação empresarial como a todo-poderosa D. Isabel de Portugal, país onde investiu centenas de milhões de dólares saqueados a Angola, a filha do presidente rende-se, entregando a Sonangol.
Contrariamente ao recital de baboseiras liderado pelo sociólogo João Paulo Ganga, que defendeu a nomeação de Isabel dos Santos como um acto de defesa da soberania nacional contra Portugal, a realidade demonstra justamente o contrário.
João Paulo Ganga e outros defensores dessa teoria deixaram implícito que, hoje, a soberania nacional se resume apenas à defesa dos interesses da família presidencial, mesmo que isso represente, dada a ignorância dos angolanos, a entrega da Sonangol aos seus parceiros portugueses.
A Sonangol é praticamente a alavanca da soberania nacional, por representar mais de 90 por cento das receitas em divisa para o país, com as exportações de petróleo. A Sonangol é o ceptro do poder presidencial, é a economia nacional. Foi o que projectou a diplomacia angolana, por meio dos petro-dólares.
Muitas das reuniões da administração da Sonangol têm sido lideradas por um estranho à empresa do Estado. Trata-se do português Mário Filipe Moreira Leite da Silva, de 43 anos. É o gestor dos negócios privados e da fortuna de Isabel dos Santos. Numa reunião recente, Isabel dos Santos chegou com duas horas de atraso e, apesar da sua presença, o seu gestor particular continuou a dirigir a reunião e a despachar ordens. E há quem ainda diga que Isabel é administradora não-executiva. Se não é, então Mário Leite da Silva desempenha o papel de administrador executivo sem mandato.
Esta promiscuidade entre a gestão dos negócios privados de Isabel dos Santos e os negócios do Estado, ou seja, do povo angolano, é também um acto de tortura psicológica contra todos os cidadãos que condenaram a nomeação ilícita da filha do presidente para o cargo de presidente do Conselho de Administração da Sonangol. Já nem sequer se pode falar em conflito de interesses, em nepotismo.
O presidente abusa e ninguém faz nada. A filha abusa e ninguém faz nada. Até ver.
Só falta José Eduardo dos Santos entregar a reestruturação das Forças Armadas Angolanas à China, com o seu filho José Paulino do Santos “Coreon Dú” como chefe do Estado-Maior. A reestruturação da Polícia Nacional ficaria ao bom cuidado da República Democrática do Congo, nomeando-se, para o efeito, o seu genro Sindika Dokolo, como comandante da Polícia. Alguém duvida?
Maka Angola