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Segunda, 18 Janeiro 2016 11:31

Redes sociais constituem ferramenta essencial de contra poder

O governo angolano manifestou na terça-feira desagrado por a sua imagem estar, alegadamente, a ser lesada nas redes sociais, ferramenta que organizações e ativistas contactados pela Lusa dizem ser fundamental como contrapoder.

Na terça-feira, o MPLA (Movimento para a Libertação de Angola, no poder) sustentou que o partido e o executivo têm vindo a ser "questionados" e "ridicularizados" nas redes sociais, reavivando a controversa temática do controlo das redes sociais pelo poder.

"As redes sociais tornaram-se um espaço com alguma democracia e capacidade de veicular informação alternativa, o que atrai a ira de quem não aprecia particularmente esses valores", afirmou João Camargo, da direção dos Precários Inflexíveis, revelando que, "quando foi a demissão de Paulo Portas, depois revogada, a associação conseguiu, em menos de uma hora de convocatória via Facebook, ter cerca de mil pessoas na rua".

Os Precários usam muitos as redes sociais "para denúncias e para avaliar o que são medidas concretas ou decisões políticas", disse o dirigente, sublinhando no entanto que, "após certas iniciativas ocorridas em Portugal - como a manifestação da Geração à Rasca ou as manifestações do Que Se Lixe a Troika -, houve grandes alterações, a nível do Facebook, na amplitude de pessoas alcançadas".

"Foram criados algoritmos que reduziram bastante a abrangência anterior", declarou João Camargo, segundo quem "as redes sociais têm feito uma autocensura e uma limitação da capacidade de divulgação que existe nas páginas e nos perfis individuais dos utilizadores", existindo mesmo "várias pessoas a quem foram fechados os perfis por colocarem, reiteradamente, coisas sobre política".

Paula Montez passou por uma experiência similar, tendo tido o perfil no Facebook parcialmente bloqueado - "sem a possibilidade de comentar" - no final de 2012. Aos 50 anos, desempregada de longa duração depois de ter trabalhado na editora Ática e ter sido professora nos Açores, recusa a designação de "ativista", definindo-se antes como "uma pessoa informada, que não anda a dormir".

Recordando que, "quando tiveram lugar as grandes contestações dos professores, estes usavam muito as redes sociais, porque podiam formar grupos e conversar entre si e passar informação sobre estratégias de luta nas escolas", Paula Montez considera que "o simples facto de se dizer que as redes sociais são controláveis faz com que as pessoas comecem a ter medo, a autocensurar-se".

Na sua opinião, "os angolanos, como os chineses, não querem as redes sociais porque sabem que, nos países onde ainda há liberdade de expressão, é possível passar informação, falar das coisas abertamente e divulgar imagens a que os seus cidadãos vão ter acesso, ficando informados do que se passa fora do seu país e, pior, do que se passa dentro, de coisas que não lhes chegam".

Nesse sentido, "se um jovem angolano tiver acesso às redes sociais, pode saber o que se passa em Lisboa, saber as contestações que estão a ser feitas ao seu governo, coisas que não podem ser feitas lá mas que podem ser feitas noutros países, e claro que isso lhe dá força, claro que isso é importante para ele, e claro que os poderes não gostam disso", concluiu Paula Montez.

E não gostam também porque, enquanto os poderes visam, geralmente, "manter as coisas no estado em que estão, evitando transformações radicais", recorrendo para o efeito "a aparatos de construção do conhecimento social", as redes sociais oferecem "possibilidades de construir os conhecimentos e de os construir de uma forma diferente e de uma forma coletiva", o que "não é controlável por instituições centralizadas ou por um poder centralizado", afirmou Pedro Feijó, de 23 anos.

Ex-aluno do Liceu Camões, onde, em 2009, na cerimónia do centenário da escola, criticou publicamente a então ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues, Pedro Feijó frequenta atualmente um mestrado no Reino Unido e estava no Gezi Park, em Istambul, em maio de 2013, quando o espaço esteve ocupado por milhares de manifestantes, até à intervenção das autoridades.

"Quando despejaram o Gezi Park, o Twitter estava extraordinariamente ativo, com informações a circular, debate político e tomada de posições" e serviu de "arma organizativa, para as pessoas comunicarem umas às outras que manifestações estavam a acontecer, onde estavam a acontecer, como é que podiam ajudar ou acompanhar", contou Pedro Feijó.

Segundo ele, a rede de microblogging foi igualmente utilizada nesses dias na Turquia "para estabelecer redes internacionais, para trocar conselhos sobre como resistir e como avançar, para informar sobre os locais onde a polícia estava, onde atacava e com o quê".

Para Pedro Feijó, outro bom exemplo é o do Black Lives Matter: "Em 2015, a resistência do movimento negro nos Estados Unidos e a resistência palestiniana trocaram - via Twitter e Facebook - informações sobre como lidar com os ataques da polícia e com o gás lacrimogéneo, estabelecendo um paralelismo entre as técnicas utilizadas pelo exército israelita e as da polícia norte-americana".

Assinalando que "na China há medidas muito restritas relativamente à utilização de redes sociais" e que, "em muitos países, os governos controlam o tipo de conteúdos que pode estar online, algo que as redes sociais por vezes também assumem", Pedro Feijó acredita que "o controlo é possível e há mais do que muitos exemplos disso", não sendo preciso ir muito longe para os encontrar.

"Basta pensar na atitude do estado espanhol no ano passado, com a Lei Mordaça, em que um dos mecanismos de repressão foi a proibição de colocar conteúdos nas redes sociais, com as pessoas a serem perseguidas judicialmente por partilhar imagens de manifestações, de polícias à paisana ou de violência policial", evocou.

As tentativas de controlo têm, contudo, enfrentado resistência, "tanto dentro como fora dos meios mais institucionais, tanto nas redes sociais e nas ruas como por parte de partidos de esquerda", acrescentou Pedro Feijó, que considera muito improvável que os cidadãos aceitem placidamente que lhes seja retirado o acesso às redes sociais.

Afinal, relatou, perante os protestos na Turquia, alguém pintou numa parede o slogan norte-americano relativo aos direitos civis "the revolution will not be televised" ("a revolução não vai ser difundida pela televisão") numa versão atualizada: "The revolution will not be televised, it will be tweeted" ("A revolução não vai ser difundida pela televisão, vai sê-lo pelo Twitter").

Lusa

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