Representantes das igrejas católicas de língua portuguesa contestaram esta terça-feira os “populismos manipuladores” que impedem o acolhimento, “num momento em que o mundo atravessa uma noite densa de escuridão”, causada pela guerra e pela violência.
Cabe à hierarquia contribuir para uma cultura que leve os governantes a “não cederem a populismos manipuladores, a serem verdadeiramente responsáveis no acolhimento e a saberem integrar os que chegam, na dignidade e na justiça”, acrescentou.
“A colaboração das nossas Igrejas neste campo parece-me um tema crucial para o mundo de hoje e para preparar um futuro melhor para os nossos povos”, afirmou o dirigente português, na presença de representantes das Igrejas de Angola, Brasil, Cabo Verde, Moçambique, Timor-Leste e São Tomé e Príncipe.
Por seu turno, José Manuel Imbamba, presidente da Conferência Episcopal de Angola e São Tomé, recordou que o encontro “acontece num momento em que o mundo atravessa uma noite densa de escuridão devido ao amontoar-se de tensões entre os Estados e de guerras, umas amplamente mediatizadas e outras esquecidas ou silenciadas, que se disseminam praticamente em todos os continentes, cujos horrores e crueldades bradam os céus”.
“Essa cultura da violência tem provocado mortes indiscriminadas, movimentações forçadas de pessoas e famílias; tem produzido insegurança, incertezas e medos e tem lesado gravemente a dignidade da pessoa humana”, avisou o arcebispo.
O também responsável da diocese angolana de Saurimo, alertou que se está “a agudizar ainda mais a crise do direito internacional, a pobreza, a injustiça social, o desrespeito pela vida e a proporcionar um ambiente em que a mentira vale mais do que a verdade, o mal vale mais do que bem” e que “os valores instrumentais valem mais do que os valores absolutos”.
Perante esta crise de valores, “as Igrejas de expressão portuguesa pretendem ser pontes que unem” as sociedades dos vários países, procurando “fazer da hospitalidade um caminho indispensável para a promoção da cultura do encontro enriquecedor, do abraço acolhedor, da inclusão dignificante, do diálogo integrativo, da justiça restauradora, do amor renovador e da paz libertadora”, disse Imbamba.
Por seu turno, José Ornelas criticou a tentativa atual da humanidade de construir uma Torre de Babel, “sem Deus”, um “projeto humano que quer fazer-se grande” e que impõe a mesma língua a todos, sem respeito da diversidade.
Pelo contrário, defendeu uma “busca da internacionalidade e interculturalidade” que respeite os valores de cada comunidade, recordando que a Igreja tem procurado, “em cada época da história, criar unidade na diversidade”.
O objetivo “não é conquistar o mundo, submetê-lo a um projeto único, humano”, mas “garantir a diversidade”, explicou.
O também bispo de Leiria-Fátima reconheceu que a Igreja tem um passado sombrio no que respeita à relação com os países colonizados pela Europa.
“A par do anúncio congregador e libertador, fraterno e universal da mensagem cristã”, o propósito da Igreja cobriu-se “também de sombras e foi contemporâneo silencioso e, por vezes, conivente, de crimes de abuso de poder e de atentado à dignidade das populações e culturas, de que a escravatura humana é escândalo e ferida, que não se pode esquecer”, afirmou o responsável da Igreja Católica portuguesa.
“Esta mobilidade é objeto de muita discussão, manipulação e oportunismo, cuja fatura é paga pelos mais débeis, que andam à procura de vida digna para si e as suas famílias” e “é um tema que não pode passar ao lado das nossas preocupações”, disse.
“A Igreja é peregrina por natureza: prepara-se para partir, acompanha os que partem, para que não caiam nas mãos de oportunistas e traficantes, e acolhe aqueles que chegam” e, no dia-a-dia, “tem de ser sempre um laboratório e um viveiro de convivências crioulas que geram novas parcerias e solidariedade humana e samaritana”, explicou.
Por isso, no encontro que tem esta terça-feira início, “além das análises e partilha de pontos de vista”, seria bom chegar a “perspetivas reais de uma mais efetiva colaboração” entre as hierarquias católicas dos países de língua portuguesa, acrescentou.