Em Angola, o Presidente João Lourenço recuou e não vai participar no Congresso Nacional da Reconciliação, marcado para os dias 6 e 7 de novembro, em Luanda. A Presidência justificou a decisão com "compromissos de Estado”, mas o anúncio — feito nas redes oficiais — apanhou o país de surpresa, sobretudo porque o evento foi adiado precisamente para se ajustar à agenda do chefe de Estado.
O congresso, organizado pela CEAST — a Conferência Episcopal de Angola e São Tomé, pretende ser um espaço de reflexão sobre as feridas ainda abertas dos 50 anos de independência e sobre o verdadeiro sentido da reconciliação nacional.
Em entrevista à DW África, o padre Celestino Epalanga, Secretário General da Comissão Episcopal de Justiça e paz e integridade da criação da CEAST, reagiu à ausência do Presidente João Lourenço, que considera uma mensagem contraditória, lembrando que o chefe de Estado falou de reconciliação no discurso sobre o Estado da Nação.
DW: África: O que é que Angola ainda precisa reconciliar, cinquenta anos depois da independência e mais de vinte após o fim da guerra civil? Que feridas concretas a Igreja acredita que o país ainda não conseguiu curar?
Celestino Epalanga (CE): Cinquenta anos depois, ainda há muitas feridas que precisam de ser curadas. Temos as feridas dos trinta anos de guerra civil. Temos as feridas causadas pelo 27 de Maio de 1977. Eu falo também enquanto membro da Civicorp, e sei que ainda há muita gente que sangra por dentro — e isso vai levar tempo.
Temos também feridas da "Sexta-feira Sangrenta”, por exemplo, aquelas que aconteceram em 1992, durante o período pós-eleitoral. Tivemos também o massacre do Monte Sumi, em 2015, o massacre nas Lundas, e no mesmo ano tivemos os massacres de Caculo-Cabaça.
Durante a Covid-19, a polícia matou mais pessoas do que a própria Covid. Nas manifestações, muitas delas foram violentas. Nestes 23 anos de paz, morreram cidadãos angolanos. Muito recentemente, tivemos episódios tristes — em Luanda, Malanje, Huambo e Benguela —, em 28 de novembro e 30 de julho, onde também houve mortos.
As assimetrias sociais são outras feridas, porque há centenas e milhares de famílias angolanas que não têm o que comer. É neste contexto económico e social que celebramos este Congresso da Reconciliação, que é um espaço de reflexão, de debate e de diálogo, onde vamos ter em conta todos estes elementos para depois nos projetarmos para o futuro.
DW África: A ausência do Presidente fragiliza o sentido de unidade que o Congresso pretende promover? Que mensagem passa ao povo quando o chefe de Estado não comparece a um evento que se diz "nacional”?
CE: A ausência do Presidente não fragiliza o sentido de unidade. Mas a CEAST ainda não recebeu nenhum comunicado oficial da Presidência da República. Sobre isto, vamos ver o que vai acontecer nestes dias.
Que mensagem passa ao povo quando o chefe de Estado não comparece a um evento que se diz nacional? Já há um debate. Alguns estão a pôr em causa as palavras do Presidente, proferidas na Assembleia Nacional, no discurso sobre o Estado da Nação, no dia 15 de outubro, quando, na parte final, falou sobre reconciliação — e da condecoração de Holden Roberto e Jonas Savimbi.
Logo a seguir, diz que não vai a este Congresso da Reconciliação. Então, há aqui uma mensagem dupla: por um lado, alguém que parece comprometido com a reconciliação, e, por outro, alguém que parece que não quer saber nada disso.
Que papel a CEAST quer assumir a partir deste Congresso: mediadora moral da reconciliação ou também voz crítica das injustiças e exclusões que ainda dividem o país?
CE: Sim, o Congresso é isto mesmo. É mediador moral da reconciliação, mas também voz profética. Nós não podemos promover a reconciliação sem ser a voz dos sem voz.

