Com 23 anos de paz e a caminho de 50 anos de independência, Angola "deveria ter um ponto de partida, baseado no diálogo sincero em que se reconhece que todos foram culpados" das lutas pós-independência e pela guerra civil terminada em 2002, afirma o político à Lusa.
"Nós precisamos de dialogar, precisamos. E temos de ter um ponto de partida. Para mim, o ponto de partida seria concordarmos todos que errámos, e neste processo não interessa e nem vale a pena procurarmos os culpados. Porque costumo dizer que culpados fomos todos nós e acabamos por ser todos nós vítimas também", refere Isaías Samakuva, de 78 anos.
Falando no âmbito das celebrações dos 50 de independência de Angola, que serão assinalados no dia 11 de novembro de 2025, o antigo presidente da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA, maior partido na oposição), defendeu "comprometimento" para a consolidação da paz e desenvolvimento do país.
Samakuva entende que após o reconhecimento dos "erros do passado" todos os angolanos deveriam "virar a página, olhar para frente, olhar para o futuro com esperança e com comprometimento, não só de consolidar a paz, mas também de construir um novo caminho para o futuro".
Afirma, por outro lado, que os angolanos "não têm hoje o país sonhado pelos nacionalistas" que lutaram pela independência de Angola, referindo que Angola, "um país cheio de riquezas naturais e recursos humanos, tem muito para dar".
"Nós podemos fazer muito mais, e, ultimamente, tem-se procurado fazer algo, mas penso que ainda estamos longe de atingir aqueles níveis" de satisfação da população, diz Samakuva, que liderou a UNITA entre 2003 e 2019, após a morte em combate do líder histórico do partido, Jonas Savimbi, em 2002.
As celebrações do 50.º aniversário da Independência de Angola, que evolve inaugurações de infraestruturas, palestras, colóquios, condecorações, atividades culturais e desportivas, decorrem sob o lema "Angola 50 Anos: Preservar e Valorizar as Conquistas Alcançadas, Construindo um Futuro Melhor".
O ex-líder da UNITA considera também que a reconciliação em Angola "não está perfeita, está a meio caminho" e salienta, de forma irónica: "nós fazemos as coisas sempre a meio".
"Começamos, mas chegamos a meio, não queremos atingir lá mais para frente", diz, defendendo que a reconciliação passa por juntar grupos ou pessoas que estavam desavindas, por qualquer razão, "para ultrapassar os problemas entre eles e viverem em paz".
Para o atual presidente da Fundação Jonas Savimbi, o país está a anular a intenção de uma reconciliação efetiva ao deixar de fora das celebrações figuras históricas do país, aludindo a Jonas Savimbi e Holden Roberto, fundador da Frente Nacinal de Libertação de Angola (FNLA), personalidades "não reconhecidas" pelo Governo angolano.
"A reconciliação não pode ser abstrata, na verdade, tem de ser concreta", considera.
Isaías Samakuva constou da lista das personalidades condecoradas pelo Presidente angolano, João Lourenço, no dia 04 de abril passado, Dia da Paz e da Reconciliação, mas o antigo dirigente não compareceu na cerimónia.
Questionado sobre a sua ausência neste ato, o político ressalva que as condecorações são sempre boas, por se tratar de um ato de reconhecimento, referindo que não participou porque estava a procurar entender por que razão personalidades que conduziram a luta pela independência, como Jonas Savimbi e Holden Roberto, ficaram de fora.
Pediu ainda coragem ao Presidente angolano, João Lourenço, que "já deu passos bastante gigantescos no processo de reconciliação", para ir "até ao fim" porque é preciso, "de facto, ver o país reconciliado".
O nacionalista angolano e diplomata, com passagens no exército colonial português na década de 1970, diz ainda daqui a 50 anos Angola "pode ser um país maravilhoso, onde tudo funciona na verdade", mas esse percurso "deve ser feito com o comprometimento de todos".