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Quinta, 31 Julho 2025 11:05

Protestos: "João Lourenço é um teimoso, não gosta de ouvir"

Após três dias de protestos em Angola, com mortos, feridos, detenções e pilhagens, o Presidente João Lourenço continua em silêncio absoluto, o que evidencia a desconexão do poder face ao sofrimento do povo, critica ONG.

Em entrevista à DW, Serra Bango, presidente da Associação Justiça, Paz e Democracia (AJPD), afirma que o silêncio do Presidente João Lourenço diante da crise social e económica em Angola reflete a cultura de impunidade e falta de prestação de contas enraizada no MPLA.

Segundo Bango, esta postura agrava a instabilidade e evidencia a desconexão do poder com o sofrimento do povo. Alerta ainda que, caso o Presidente venha a pronunciar-se, corre o risco de fazer um discurso acusatório, como já aconteceu no passado, agravando ainda mais as tensões políticas e sociais no país.

DW África: Como é que a AJPD interpreta esse silêncio num momento tão crítico para o país?

Serra Bango (SB): Nós temos, na nossa história política, os presidentes que quase nunca reagem a essas situações. Portanto, faz parte, digamos, do ADN do partido que governa, quase que os seus líderes, e consequentemente o Presidente da República, nunca reagem a essas situações. Não há a cultura dos governantes darem uma satisfação dos seus atos aos governados. E esta situação também é uma delas.

Mas esta situação tem outro elemento: ela surge como um elemento de reprovação da governação de João Lourenço e do MPLA. E, portanto, ele terá mais razões de sobra de não falar, porque sente-se perante um desafio. Mas o que é que ele há-de dizer? Provavelmente, os cidadãos esperam que, se ele vier a intervir, que diga que medidas imediatas serão tomadas para reverter o quadro social-económico que se vive em Angola. Mas não nos parece que, nessa altura, o partido que governa e o executivo, como tal, tenham alguma medida eficaz que venha a reverter o atual quadro económico-social que se vive em Angola.

DW África: Que riscos traz esta postura de isolamento do poder para a estabilidade democrática do país?

SB: Se falar nesta altura, provavelmente, o que vai acontecer é o Presidente, ao invés de fazer um discurso apaziguador, um discurso que traga esperança, corremos o risco de ouvir um discurso em que ele vem apontar culpados por essa situação e que vem ainda agudizar mais a situação política e social e as tensões políticas que existem.

Como aconteceu a 10 de janeiro de 2021, numa situação similar, uma greve dos taxistas, que foi transformada em ato de vandalismo - queimou-se o comité do partido que governa o distrito urbano do Benfica - o que o MPLA fez, ao invés de procurar as causas, procurou um culpado, tendo, inclusive, forçado a detenção de um jovem durante um ano, obrigando a que ele declarasse que quem o orientou e quem fez aqueles atos foi a UNITA ou o presidente da UNITA. Portanto, corremos esse risco de que, se o Presidente falar, se não for um discurso apaziguador, vai ser um discurso que vai acirrar mais os ânimos e criar uma situação social de instabilidade, de efeito imprevisível.

DW África: O Governo anunciou que a situação em Luanda está normalizada, mas os relatos apontam para medo, instabilidade, mortes. Acha que há uma tentativa de apagar ou minimizar os acontecimentos perante a opinião pública?

SB: O executivo liderado por João Lourenço, lá está, por ser teimoso, não gosta de ouvir e não sabe ouvir, fez sempre vista grossa a isso. Por isso é que acho, suponho, que vai ser, com alguma dificuldade, que ele venha a se pronunciar. Ora, se ele quisesse reverter este quadro, o mais aconselhado é que ele se pronunciasse no domingo ou dias antes do início da greve, porque essa greve foi anunciada com muita antecedência.

Se ele tivesse feito um pronunciamento no sentido de apaziguar e dar alguma esperança, provavelmente teria amainado o impacto desta greve. Mas ele não o fez. Ficou num silêncio tumular, preferiu fazer a sua tour pela Europa, chegou, não deu satisfação na segunda-feira e provavelmente está a preparar uma próxima viagem, provavelmente, para o Japão. Portanto, quem é culpado, quem governa, é que tem a responsabilidade por tudo que acontece, pelas coisas boas e pelas coisas más.

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