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Quarta, 04 Outubro 2023 14:13

Adoção do marxismo pelo MPLA foi "opção forçada" - historiador

A adoção oficial das teses marxistas pelo Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA, partido no poder desde a independência, em 1975) foi uma “opção forçada”, defende em entrevista à Lusa o historiador Jean-Michel Mabeko-Tali.

“A questão da natureza ideológica do MPLA, como demonstro no meu livro ‘Guerrilhas e Lutas Sociais’ [2018, Mercado das Letras] resultou de uma proclamação algo forçada e não consensual”, considera.

Mabeko-Tali, que apresenta hoje em Lisboa a sua obra mais recente, “Rótulos Atribuídos, Rótulos Assumidos” [2023, Guerra e Paz Editores], é de opinião que, antes de mais, importa “saber quantos marxistas havia então no MPLA”.

A via marxista foi decidida no congresso que o MPLA realizou em dezembro de 1977, na ressaca dos acontecimentos do 27 de maio desse ano.

Em 27 de maio de 1977, uma alegada tentativa de golpe de Estado, numa operação que terá sido liderada por Nito Alves - então ex-ministro da Administração Interna desde a independência (11 de novembro de 1975) até outubro de 1976 -, foi violentamente reprimida pelo regime de Agostinho Neto, primeiro Presidente de Angola.

Seis dias antes, o MLPA expulsara Nito Alves do partido, o que levou o antigo ministro e vários apoiantes a invadirem a prisão de Luanda para libertar outros simpatizantes, assumindo paralelamente o controlo da estação da rádio nacional, um movimento que ficou conhecido como "fracionismo".

As tropas leais a Agostinho Neto, com apoio de militares cubanos, acabaram por estabelecer a ordem e prenderam os revoltosos, seguindo-se depois o que ficou conhecido como "purga", com a eliminação das fações, tendo sido mortas cerca de 30 mil pessoas, na maior parte sem qualquer ligação a Nito Alves, tal como afirma a Amnistia Internacional em vários relatórios sobre o assunto.

A partir dos rótulos que os três movimentos de libertação – MPLA, Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA) e União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) -, trocavam entre si, Jean-Michel Mabeko-Tali procura revelar o papel instrumental do que se podem considerar sobretudo acusações, atribuídas e/ou assumidas, que justificam as motivações de fação.

“O livro destina-se fundamentalmente, por um lado, a fazer um exame dos rótulos entre os movimentos de libertação, desde o tempo da luta armada e por outro lado, o exame desta mesma troca de rótulos dentro do MPLA”, explica.

“Porque parecia que o processo angolano se centrou à volta deste tipo de acusações: comunista aqui, reacionário ali, e isto sempre me fascinou. Daí esse projeto”, acrescenta.

A opção ideológica pelo marxismo está ligada aos acontecimentos de 27 de maio de 1977 e Mabeko-Tali defende que o número de marxistas nos órgãos de direção do MPLA era diminuto e sem suscitar adesão no seio do partido.

“O essencial do livro é à volta da troca de rótulos dentro do próprio MPLA”, num confronto verbal que vem do tempo da fundação do partido que “traduziam lutas faccionais”.

Na obra, Mabeko-Tali destaca o papel de Nito Alves, a figura central “dessa longa crise que leva ao 27 de Maio e que define como “a maior tragédia da história do MPLA, cujas consequências ainda dividem a sociedade angolana”.

“Eu procuro estudar o Nito. Tento entender o Nito, porque o 27 de maio até agora, e digo logo no início do livro, as coisas se resumem em termos de quantos foram mortos, quantos sobreviveram e ninguém em algum momento tenta entender o Nito”, salienta.

“Tento estudar a pessoa. O Nito como produto de uma sociedade, como alguém que nasceu no período colonial, como alguém que foi vitima do racismo colonial e como alguém que, ao mesmo tempo usando uma terminologia marxista, não soube recolocar o problema do racismo, ao contrário da tradição do MPLA, que evitava esse debate durante a luta armada, Nito não evita o debate”, destaca.

Questionado sobre a decisão do atual Presidente angolano, João Lourenço, de devolver as ossadas das vítimas do 27 de Maio às respetivas famílias, um processo marcado pela polémica depois de análises ADN terem concluído que os restos mortais não correspondiam às vítimas, Mabeko-Tali começa por saudar a medida.

“Houve um esforço real da parte de João Lourenço, na minha opinião, não tenho motivo para pensar o contrário, sincero, de querer reconciliar os angolanos na questão do 27 de Maio. Isso é uma coisa. Outra coisa foi quando ouvi falar da questão das ossadas. Dada a confusão acerca de onde foram enterradas as pessoas, e do pouco que eu tinha como informações repetidas anos a fio quanto ao destino do corpo de muitos deles, a minha dúvida era: mas como é que se vai fazer para se encontrar as ossadas”, adianta.

“Portanto, a minha dúvida agora às motivações, suponho que faziam parte dessa vontade de reconciliar os angolanos, a não ser que tenha havido - não quero ser assertivo a este nível -, que tenha havido uma preocupação eleitoralista. Afinal, havia eleições em vista. Não me posso pronunciar de forma assertiva, mas esta é a minha duvida”, reconhece.

Nascido na República do Congo, Jean-Michel Mabeko-Tali é doutorado em História pela Universidade Paris VII – Denis Diderot, mestre em Estudos Africanos pela Universidade Bordeaux III e licenciado em História e Geografia pela Universidade de Saint-Etienne, em França.

Radicado em Angola em 1976, foi docente no ensino médio e na Universidade Agostinho Neto. Em 2002, mudou-se para os Estados Unidos, onde é professor catedrático de História de África na Universidade de Howard, em Washington.

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