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Segunda, 04 Julho 2016 22:07

A crise não é responsável pela má gestão ou pela "bajulocracia" instalada

A Constituição da República de Angola (CRA), de 2010, criou o Executivo, eliminando da nossa vida política o Governo angolano como entidade colegial. Os ministros deixaram de mandar, passaram a ser meros coadjuvantes do titular do poder executivo, que passou a concentrar e a decidir sobre tudo: da compra de agulhas às armas, ou da reunião com artistas às conferências da juventude.

Por Ismael Mateus | NJ

Foi por isso espantoso ouvirmos no Moxico o Presidente Eduardo dos Santos falar da situação económica do país como se ele fosse o todo-poderoso CDT (chefe disto tudo). O PR portou-se como um analista que se lamenta nas câmaras contra os contornos da crise, ao invés de assumir uma postura de governante CDT que é, que tinha o dever de garantir uma gestão previsional e preventiva da crise.

Perdeu-se a oportunidade para, olhos nos olhos, assumir que o Executivo foi incapaz de governar bem, gerir bem o dinheiro do país, ao ponto de agora não termos sequer dinheiro para salários e para importar comida, medicamentos e outros bens essenciais. No poupar está o ganho, diz a sabedoria popular, mas o Executivo, enquanto teve dinheiros a rodos, foi camuflando as deficiências, erros e vícios, agora expostos de modo tão obsceno.

Depois de ter transformado os ministros e governadores em "leva-e-traz-recados" do titular do poder executivo, não há mais a quem apontar o dedo senão para o grande CDT.

A crise não é responsável pela má gestão ou pela "bajulocracia" instalada, que nos transformou num Estado de incompetentes. Também não é responsável pela endémica corrupção que corroeu toda malha económica e moral do país, nem pela pretensa criação de uma pequena burguesia angolana, que serviu de capa para enriquecer meia dúzia de "escolhidos".

Apesar das críticas, o Executivo optou por empenhar dinheiro público na criação do agro-negócio, inviabilizando uma agricultura nacional sustentável, alicerçada no fomento e na modernização da agricultura familiar.

Foi esbanjado dinheiro público com faraónicos planos de internacionalização de "empresários testa-de-ferro do Estado", e da Sonangol na compra de bancos e de jornais em Portugal, na produção petrolífera no Iraque ou ainda na obscura parceria com a Odebrecht, que nos coloca como pivôs do processo Lava Jato.

Contra a vontade dos eleitores de 2012, o Executivo manteve o modelo centralizado de desenvolvimento, concentrando nos órgãos centrais os mais avultados investimentos públicos, prolongando as assimetrias e a visão luandocêntrica do país.

A descentralização, que poderia acelerar as potencialidades regionais e permitir mais oportunidades, foi engavetada por interesses meramente político-eleitoralistas. Mesmo em relação à reconstrução nacional, que foi um bom exemplo de recuperação de estradas e algumas infra-estruturas, vemos que foi gasto o triplo do necessário, em função dos esquemas de corrupção que viciaram a fiscalização ou falsearam os materiais de construção, como se constata com a degradação em menos de cinco anos da grande maioria das estradas. ~

Foi dinheiro, muito dinheiro, nosso dinheiro, jogado fora, leia-se desviado para os bolsos de algumas pessoas.

Entre 2002 e 2015 o Estado Angolano recebeu 408,2 mil milhões USD dos quais 308,6 mil milhões USD provenientes do petróleo. Da receita total foram gastos (ou comprometidos) 398,5 mil milhões USD. O que dá um saldo positivo de cerca de dez mil milhões de dólares. Como nesse período o país se endividou em mais de 30 mil milhões USD, no mínimo dos mínimos deveríamos ter cerca de 40 mil milhões de dólares que nos impediriam de estar, como agora, de tanga. 24% (quase um quarto) das despesas foram feitas com o pessoal, 22% em bens e serviços e 27% em investimentos, o que volta a demonstrar que, se o Executivo tivesse atendido aos pedidos para emagrecimento da Função Pública e do Governo, teríamos tido mais dinheiro para investimento público, sobretudo fora de Luanda.

Em vez do tom informal de quem partilha preocupações numa conversa de quintal, o titular do poder executivo deveria, isso sim, fazer uma comunicação ao país, reconhecendo o fracasso da gestão governativa que não foi capaz de prevenir e proteger o país da humilhação por que estamos todos a passar. Deveria assumir, como CDT, a sua responsabilidade pessoal pelo descalabro económico e abrir alas para novas pessoas e novas formas de gerir o país.

Infelizmente, arrebatado pelo banho das multidões, deleitando-se com o coro de elogios ao som da música "Tata tunakuzangetueya" ("papá vem, porque te amamos"), o PR, de tanta rotina, não percebe sequer que nada do que agora diz é novo.

Há anos que se promete isto e aquilo e mais isto e mais aquilo e, no entanto, hoje, no balanço, temos pessoas a morrer por não conseguirem viajar para tratamento no exterior, estudantes a prostituírem-se por falta de divisas e temos a atípica economia do "dólar só com bilhetinho dos dirigentes". Venham as dançarinas, requebrem os quadris, umbicadas e massembas, dancem toda a noite a música do papá que vem e tanto amamos porque... palmas... é preciso muito mérito para deixar o país no estado actual.

 

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