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Quarta, 30 Março 2016 03:30

Quando a Justiça é fraca, a lei é do mais forte

A condenação dos 17 jovens por intenções revoltosas, a que juntaram a acusação de “associação criminosa” no final do julgamento, quer dizer que os juizes entenderam que o chefe queria que eles fossem condenados, fosse a que título fosse. Condenaram e assim cumpriram o seu papel. Este comportamento define o chefe. E uma Justiça que protege os vitoriosos e esquece os derrotados.

Por Leston Bandeira | AM

As questões da Justiça em Angola são complicadas desde sempre. Os angolanos de hoje e de ontem não olham para a Justiça como um recurso no caso de um diferendo, seja ele qual for. Olham para a Justiça como um instrumento dos poderosos para imporem a sua vontade de uma forma que legalize os seus abusos. E não são os únicos a ver assim as coisas.

Aprenderam este conceito com as autoridades coloniais, mas não só: também as chamadas autoridades tradicionais a utilizam em seu proveito, recorrendo, muitas vezes, aos serviços de feiticeiros. No Estado Moderno Angolano houve já algumas situações em que a Justiça foi administrada para satisfazer os poderosos e a esmagar os mais fracos. E também foi administrada fora do Estado, como no caso da UNITA de Jonas Savimbi.

Logo no princípio do Estado Independente, em 1976, a Justiça angolana montou um verdadeiro espectáculo para julgar um grupo de mercenários capturados durante os combates opondo FAPLAs e cubanos a tropas de Mobutu, ELP e FNLA.

Depressa se percebeu tratar-se de um julgamento exclusivamente político e havia gente, entre os quais eu me incluia, que aceitava essa classificação. Desde que servisse para julgar as sociedades que permitiram a formação de tais individuos. Com essa ideia, eles deviam ser condenados e devolvidos aos respectivos países.

A condenção à morte, para esta corrente, estava, portanto, fora de questão. No final, ganhou a posição radical, defendida por Agostinho Neto, e os mercenários foram condenados à morte, mesmo depois de todos os dirigentes importantes do Mundo terem apelado a um indulto do presidente.

Depois, em 1977, a tentativa de golpe de Estado de forças comandadas por Nito Alves traduzia também uma recusa de discutir na Justiça, neste caso à luz dos regulamentos do MPLA, ideias diferentes. Quem mandava decidia e, por isso, aconteceu a tragédia que ainda hoje mancha a memória de muita gente e preenche o luto não cumprido de muitas famílias.

A resposta ao descontrolo de um grupo político organizado em torno de ideias consideradas radicais, foi a metralha. Nunca ninguém se levantou para apontar a Justiça como um veículo, com uma solução para apaziguar os ânimos e levar os angolanos à união.

A reacção foi de uma violência inaudita, ainda ditada por Agostinho Neto. José Eduardo dos Santos era ministro das Relações Externas, mas no dia 27 de Maio de 1977 estava no Lubango, onde residiam alguns dos mais importantes dirigentes do grupo que queria outra orientação política para a reconstrução do país.

E esse já foi um processo que entrou pelo consulado do presidente Santos. Não se conhece da sua parte nenhuma iniciativa para tentar apaziguar as mágoas, as dores de muitas famílias. Ou qualquer gesto que indicasse, por parte do Estado a intenção de compensar ou dar explicações sobre o que tinha acontecido.

Em relação aos “Revus”, Santos vai deixar no ar a possibilidade de uma intervenção presidencial que ilibe ou diminua as penas. Mas tudo quanto já demonstrou nestes mais de 36 anos de poder não faz prever nada disso. Estes 17 jovens vão ficar como o exemplo que ele quer dar, ainda que diminuido no seu poder, porque lhe falta o dinheiro para comprar as lealdades de que ainda necessita.

Esta condenação pode abrir um capítulo complicado na História contemporânea de Angola. Porque a Justiça cada vez mais não é considerada um bem para todos, sim uma arma de alguns poucos e poderosos.

 

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