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Segunda, 04 Janeiro 2016 20:50

2015 será um ano difícil de esquecer… - Reginaldo Silva

Por ocasião destas retrospectivas anuais, quando as coisas não correm muito bem, já faz parte dos lugares comuns da escrita jornalística dizer que o ano em apreciação foi “mais um para esquecer”.

Por Reginaldo Silva

Desta vez, e apesar de 2015 ter tido todas as condições e mais algumas, a título de bónus, para ser colocado na prateleira dos “produtos perecíveis” para esquecer o mais rapidamente possível, estamos convencidos que se vai passar exactamente o contrário em termos de memória futura.

No conjunto deste tempo que já leva a nossa “paz definitiva”  – e que não é assim tão pouco, como alguns as vezes gostam de fazer crer , sempre que há algum interesse político nessa relativização – , 2015 ergue-se e distingue-se facilmente dos demais na paisagem temporal já percorrida.

Esta visibilidade foi adquirida pela qualidade dos acontecimentos que o marcaram, num ano particularmente emblemático, no qual se celebraram os 40 anos da Dipanda.

Infelizmente para todos os angolanos, a qualidade que aqui se faz referência não é sinónimo de boa coisa, sendo mais concretamente uma alusão à gravidade e ao dramatismo dos factos que fizeram 2015 acontecer com notas bastante decepcionantes, senão mesmo chocantes, para algumas sensibilidades.

Factos que fizeram toda a diferença com os seus homólogos dos anos anteriores.

Olhando com o mínimo de objectividade e isenção para as principais paragens onde o “comboio 2015” foi apitando, e a pensar apenas no interesse público/nacional, estamos em crer que todos nós, em principio, deveremos concordar que foram encontros particularmente negativos, independentemente das lentes com que cada um observe, explique ou justifique os altos e baixos do desfile que fomos testemunhas.

A isenção aconselha-nos antes de mais a olhar para o que realmente se passou no terreno dos factos e a evitar a tentação de escamotear ou mesmo de esconder os resultados desta observação, com a utilização de dados estatísticos fabricados para os devidos efeitos.

Estamos pois convencidos que muito dificilmente 2015 será esquecido, mesmo quando daqui a mais uns anos olharmos para trás e – com recurso apenas à memória residual que ficou armazenada no nosso “discurso duro”- quisermos destacar algum entre eles por qualquer razão politicamente mais marcante.

O ano de 2015 veio pois para se instalar com armas e bagagens na memória colectiva, tendo em conta a tortuosa crónica destes 365 dias que já pertencem ao passado, embora nada nos garanta que as razões que determinaram tão atribulado percurso não voltem a marcar a sua presença em 2016.

Os mais pessimistas estão mesmo convencidos que o pior ainda está para acontecer, sobretudo no que toca ao desempenho da economia, tendo em conta, obviamente, a volatilidade do preço do petróleo cuja tendência para a queda se mantém demasiado pronunciada.

Uma vez mais, tivemos a oportunidade acompanhar a par e passo e in situ, esta “série” anual da vida do nosso país, mas nem sempre com a proximidade que o jornalismo gostaria de ter com os acontecimentos para ser fiel nos seus relatos, evitando particularmente as fontes da manipulação política que já fazem parte do quotidiano dos diferentes países.

Entre nós, estas últimas também estiveram bem presentes nesta caminhada que chega ao fim e não raras vezes foram inquinando, e de que maneira, a mensagem transmitida, com a opinião a ocupar demasiado espaço nos media em detrimento da informação resultante sobretudo de uma cuidada investigação jornalística que, praticamente, desapareceu dos órgãos que mais responsabilidade deviam ter com este compromisso, assumindo o papel de fiel da balança.

O ano em retrospectiva não podia começar da pior forma com a revisão em Março do Orçamento Geral do Estado (OGE-2015) na sequência da inconsistência com que o mesmo foi inicialmente calculado.

Pelas tendências do mercado, estava mais do que evidente que o preço de referência do “Mr.Brent” então estabelecido para os devidos efeitos orçamentais, não tinha qualquer possibilidade de se aguentar nas pernas, o que só foi possível graças à teimosia da maioria absoluta, que pelos vistos durou muito pouco tempo até dar mão à palmatória.

A paulada que o preço do petróleo levou no mercado internacional (e continua a levar) com o OGE-2015 rectificado a reflectir extensivos cortes na despesa e nas disponibilidades de cambiais, foi sem dúvidas o acontecimento negativo mais transversal deste ano, com todas as consequências sociais desastrosas que já se conhecem, sobretudo ao nível do emprego e das falências empresariais, sem falar das outras que ainda estão por se apurar.

A narrativa da economia que mais cresce no mundo e da tão propalada robustez dos fundamentos macro-económicos, que no fundo era apenas conjuntural, como resultado do período das “vacas gordas” que o preço do petróleo vinha conhecendo acima dos 100 dólares, foi desaparecendo paulatinamente do discurso oficial até deixar apenas um vazio comunicacional que ninguém, para já, se atreve a preencher, com o receio depois de dar o dito pelo não dito.

Pouco tempo depois, o país viria a ser brutalmente sacudido por desencontradas notícias provenientes do planalto central, mais exactamente do Monte de São Pedro do Sumi, no município da Caála/Huambo.

As preocupantes informações davam conta de confrontos entre a Policia e elementos de uma confissão religiosa que trouxe para a ribalta o sonante nome de José Kalupeteka e para a história do país, provavelmente, o mais sangrento de todos os conflitos religiosos já registado no pós-independência, para ficarmos apenas por estes últimos 40 anos, sem nenhum risco de errar esta valorização.

Para além dos polícias mortos no confronto, o balanço das restantes vítimas civis que algumas fontes continuam a estimar na casa das largas centenas, continua por apurar, tendo o acontecimento alimentado mais uma intensa troca de acusações entre o MPLA/Governo e a UNITA que se estendeu a outras forças partidárias e organizações da sociedade civil.

Os contornos do episódio foram de tal forma graves que não tardaram a ultrapassar as fronteiras nacionais, criando o primeiro grande embaraço diplomático internacional em matéria de direitos humanos ao Governo do Presidente Eduardo dos Santos, desde que em 2002 as armas se calaram com o último suspiro dado por Jonas Savimbi.

Não se passou muito tempo, e ainda com os acontecimentos do Monte do Sumi a deitarem fumo por todos os lados, que vimos 2015 a escancarar as suas portas para albergar a bombástica noticia da prisão numa livraria da Vila-Alice, e em “flagrante delito”, de uma dezena e meia de jovens afectos ao denominado “Movimento Revolucionário”. Eles viriam alguns meses depois a ser formalmente acusados e pronunciados de estarem envolvidos em “actos peparatórios” visando a alteração da actual ordem constitucional, ao abrigo da Lei dos Crimes Contra a Segurança de Estado.

Se a revisão do OGE-2015 foi o facto mais relevante do ponto de vista estrutural, a prisão e o inicio do julgamento dos “révus”, acabou por ser a cereja em cima de um “bolo de dissabores” que têm afectado a imagem interna e externa do Executivo, deitando por terra todos os milhões do OGE que têm sido gastos ao nível do marketing institucional com as mais diferentes campanhas, investimentos e contratações.

Em 2015, a maka dos direitos humanos foi, certamente, aquela que do ponto de vista político mais sono tirou ao Titular do Poder Executivo, sem falar das dores de cabeça por ela provocada, e que cada um dos membros do poder foi reflectindo à sua maneira.

A este “bolo” está, certamente, associada a aprovação da Resolução do Parlamento Europeu que, na sequência dos sangrentos confrontos no Sumi e do “processo dos révus”, mas não só, questionou e criticou em toda a linha a postura do Executivo angolano em matéria de respeito dos direitos humanos, sendo a primeira vez que um tal confronto aconteceu, desde que Angola é parceira da União Europeia (UE).

Por esta razão, também gostaríamos de convocar este facto para os lugares cimeiros desta retrospectiva, pelas suas consequências que se continuam a fazer sentir e a provocar mossas no relacionamento entre Angola e a comunidade internacional, apesar de todos os esforços diplomáticos já levados a cabo para deitar alguma água na fervura.

A ter em conta alguns prognósticos já avançados, o Ano Novo de 2016 também se apresenta como um dos menos animadores que o país já viveu desde que há 13 anos as armas se calaram.

Do ponto da economia, a esperança do Executivo parece repousar em grande parte no impacto positivo do novo bilionário crédito chinês negociado o ano passado, em condições que alimentaram as mais diferentes especulações e críticas, numa altura em que as coisas podem não estar a caminhar tão bem entre os dois parceiros, como as aparências pretendem fazer crer.

A dívida pública adivinha-se monumental e em permanente crescimento na sequência do “kilapi” aplicado e que, de acordo com algumas informações, tem como referência o mês de Setembro de 2014, quando terão sido emitidas as últimas notas de saque para pagar fornecedores de serviços ao Estado.

As desastrosas consequências sociais deste “kilapi”, que já se fizeram sentir em 2015, podem-se vir a agravar no novo ano e a empurrar o país para uma situação de desequilíbrios ainda mais sensível do ponto de vista da própria estabilidade/segurança interna, com a criminalidade a disparar para patamares muito difíceis de controlar à escala nacional, por mais que a Policia se reforce em homens e equipamentos que serão sempre insuficientes, tendo em conta a sua progressão geométrica.

Politicamente, e enquanto se aguarda pelo desfecho do “processo 15+2”, o ambiente em 2016 também não antecipa nada de mais calmo, pois tudo leva a crer que a crispação entre os seus protagonistas vai subir de tom, e já com as estratégias a apontarem para a mobilização do eleitorado para 2017.

RA

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