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Quinta, 07 Mai 2015 14:09

Sexo, Religião e Política – Reginaldo Silva

A actualidade nacional está a ser dominada por uma associação de dois acontecimentos situados de algum modo nos antípodas e que era até então pouco provável que, no sóbrio contexto angolano, se pudessem aproximar tanto, ao ponto de produzirem tamanhas faíscas.

Menos provável era ainda que se pudessem misturar no mesmo caldeirão da política nacional com todas as consequências que já se sentem no ar, a prometer novos e emocionantes capítulos de uma novela que ainda não tem nome.

Se não tem o título, pelo menos o “filme” já tem protagonistas e muito público ávido de novidades mas não só, pois ele próprio também vai participando cada vez mais activamente na definição da trama, com o seu desdobramento nas redes sociais, por onde agora também passam alguns dos bastidores da vida política local e global.

O que é facto é que sexo e religião são actualmente os ingredientes mais visíveis da actualidade angolana, “exportados” por dois acontecimentos que, efectivamente, não têm nada a ver um com o outro, para além de terem tido lugar num país onde a política partidária é quem mais ordena e, lamentavelmente, tudo também vai envenenando sempre que haja oportunidade para tal, que é o que não vai faltando.

De facto, era muito pouco provável que uma cena passional recheada de violência literalmente sexual ocorrida algures em Luanda num motel construído para os devidos efeitos, se fosse juntar a uma outra igualmente violenta mas de carácter religioso, que aconteceu a umas largas centenas de quilómetros da capital na direcção do planalto central.

Como é evidente, também são dois tipos de violência que não têm qualquer tipo de comparação.

E depois, que as duas juntas fossem parar ao ringue do debate político com a média pública mais uma vez a ser o centro de uma boa parte das atenções deste confronto, particularmente pelo tratamento díspar dado ao princípio constitucional da presunção da inocência, onde claramente prevaleceu o duplo padrão.

Isto é, que uns são presumivelmente mais inocentes do que os outros, numa altura em que as supostas conotações partidárias dos protagonistas começaram a vir ao de cima sem nenhuma razão para tal, pois objectivamente não havia como estabelecer algum nexo de casualidade mais sério.

O debate político não ficou só por esta vertente, tendo rapidamente evoluído para outros patamares mais agressivos do confronto, que não vale sequer a pena estarmos aqui a tentar resumir.

Em suma, tivemos e continuamos a ter uma desnecessária colagem partidária dos protagonistas dos dois acontecimentos, com todas as consequências já produzidas.

Para além deste tipo de aproveitamento há que valorizar, entretanto, a sua politização numa perspectiva menos envenenada e que aponta para a necessidade de quer num caso, como no outro, se analisarem as causas mais profundas para daí se tirarem as necessárias ilações com o propósito de se fazerem diagnósticos abrangentes e se definirem terapias eficazes.

Este exercício que ainda é muito pontual e circunscrito aos espaços da opinião publicada deverá ser feito antes de mais a pensar muito seriamente no real estado da Nação, para além das fragmentadas e inconclusivas estatísticas oficiais que cada vez nos dizem menos, se estivermos efectivamente interessados na procura de soluções definitivas e consensuais.

Entendo que este exercício para ser mais produtivo e ter alguma repercussão a nível nacional necessite seguidamente de um guarda-chuva mais institucional, precedido de uma certa convergência político-partidária.

Para já não me parece ser possível que tal venha a acontecer, pois a fase de apuramento dos factos no que toca aos dois acontecimentos ainda está muito longe de ter sido concluída, se é que já foi mesmo iniciada.

Como moral da história diríamos que, até ver, não há como fugir deste asfixiante colete de forças, por mais apelos que se façam ao bom-senso provenientes até das últimas reservas morais da sociedade, se é que elas ainda existem mesmo.

E se existem, já ninguém parece depositar grande esperança quanto a sua capacidade de influenciar positivamente o rumo do país, sobretudo quando a “adrenalina” dispara e passa a ser a pior conselheira de quem tem maiores responsabilidades.

Contrariamente ao que acontece na fisiologia, no corpo sociopolítico a produção excessiva de adrenalina leva os actores a pensarem que podem ultrapassar todos os limites recomendáveis, sem temerem outras consequências ou, na melhor das hipóteses, pensando que têm tudo sob controlo.

Não temos nada contra quem faça política entrincheirado exclusivamente no seu “comité de acção”, desde que tal condição não lhe faça perder de vista algumas noções gerais tidas como sendo mais pacíficas, quer a nível nacional como internacional, para se evitarem certas derrapagens que a história tem bem registadas.

E se a história tem alguma utilidade prática, é nestas alturas que devemos olhar para ela com alguma atenção para não repetirmos os mesmos erros.

RA

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