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Domingo, 29 Março 2015 17:05

A radicalização do discurso - Reginaldo Silva

Muito se tem falado e escrito nos últimos tempos da radicalização dos jovens no ocidente, a propósito do “jihadismo” que agora entrou com mais força, qual furacão, para a agenda internacional, na sequência do surgimento de um tal de “Estado Islâmico”

A sua base já não está nas longínquas e impenetráveis montanhas do Afeganistão, mas algures, muito mais perto, num bunker localizado nas planícies entre a Síria e o Iraque.

O “Estado Islâmico”, em termos político-mediáticos, virou rapidamente fenómeno mundial com a utilização do método mais radical possível de luta que foi (e continua a ser) a cobarde decapitação de indefesos reféns diante das câmaras de televisão, para depois fazer a distribuição de sangrentos e brutais vídeos pela Internet.

Nunca como até agora a propaganda tinha ido tão longe em matéria de crueldade, a dar, uma vez mais, razão a um dos famosos princípios do Engenheiro Murphy, segundo o qual, nada está tão mal que não possa ficar ainda pior.

E ficou mesmo, com a agravante de agora nos termos aproximado ainda mais de um limite que, pelos vistos, não existe nesta “arte” de levar até as últimas consequências as nossas convicções num mundo que se está de facto a radicalizar, onde os fins cada vez mais justificam os meios.

A tendência é efectivamente preocupante, mas para já nada nos leva a procurar um outro planeta com melhores perspectivas, diante de tantos radicalismos que se procuram justificar uns aos outros, como sendo consequências e não as causas, como sendo apenas legítimas reacções ou outros tantos e igualmente legítimos direitos de defesa.

Enfim, é caso para dizer que não estamos nada mal servidos com esta tendência de vermos os conflitos internacionais a agravarem-se a cada dia que passa e de, por esta consequência, hoje estarmos a viver num mundo que pode efectivamente já ter regressado ao passado da guerra fria, com outras nuances, que por si só não servem de consolo a ninguém, pois tudo pode ficar ainda pior.

Para quem como nós tem tido o privilégio de observar e de escrever sobre a evolução da realidade angolana desde que o país se tornou independente, já lá vão 40 anos, não nos custa muito admitir que as vagas globais do radicalismo também estão a passar nesta altura por aqui, embora numa versão mais discursiva, o que também não nos deixa muito felizes.

Com o barulho das armas já fazendo parte do entulho, para cantarmos a “nova Angola” com Felipe Mukenga e em vésperas de celebrarmos o 13º aniversário do 4 de Abril, que é o Dia da Paz e da Reconciliação Nacional, continuamos a assistir em Angola a uma radicalização do discurso político, que agora conhece um pico mais elevado sempre que a “liturgia oficial” organiza a 23 de Março, como aconteceu segunda-feira última, as celebrações da “Batalha do Cuito Cuanavale”.

Mais do que isto, o Governo angolano mantém na sua agenda diplomática regional a ideia de convencer os seus parceiros da SADC a adoptarem a data como sendo o dia da própria organização.

Em curso está assim mais uma ofensiva de Luanda cujo desfecho ainda é desconhecido, sendo nesta altura difícil avançar com algum prognóstico quanto ao sucesso das pretensões de Angola.

É fácil de adivinhar que referida data não será muito pacífica, começando pela própria África do Sul democrática que, apesar de já não ter nada ver com o regime do apartheid, terá, provavelmente, algumas sérias reservas em manter vivo e com tanto simbolismo o passado de uma guerra que só pode ser para esquecer.

O governo angolano acha que não, que a guerra não é para esquecer, que o passado do conflito é para manter com a chama bem acesa, tendo voltado a repeti-lo agora no Cuito Cuanavale em mais uma celebração oficial depois de ter ficado longos anos em silêncio em relação aos acontecimentos que tiveram lugar naquela região há mais de 25 anos.

Percebe-se perfeitamente que esta radicalização do discurso oficial tenha do outro lado como objectivo político a atingir/abater o maior partido da oposição.

A contrariar completamente a narrativa vitoriosa do Governo sobre o Cuito Cuanavele, o ano passado a UNITA fez questão de apresentar a sua versão sobre o que se passou naqueles meses de intensos confrontos, quando a guerra em Angola tinha atingido o seu clímax com o envolvimento directo de forças regulares dos exércitos da África do Sul e de Cuba, sem falar das movimentações das guerrilhas da SWAPO e do ANC.

Terá sido esta a gota de água que fez transbordar o copo de um relacionamento pós-conflito sempre feito no fio da navalha, tudo levando a crer, e agora por razões mais politico-eleitorais, que é assim que vai continuar a ser, com um prognóstico bastante reservado quanto a possibilidade do já citado principio de Murphy fazer aqui ainda mais estragos.

Há outros sinais da radicalização do discurso político em Angola dos quais nos ocuparemos proximamente, numa altura em que o debate longe de aproximar os angolanos parece estar a voltar a colocá-los novamente em trincheiras.

Entre adversários políticos que em democracia lutam pelo poder, em termos de conservação/alternância, não é possível, nem recomendável, defender o “beijinho-beijinho”, mas já nos parece pouco aceitável que entre cidadãos do mesmo país  e quantas vezes até da mesma família política, qualquer discussão tenha inevitavelmente que terminar com a defesa cega da “nossa dama”, mesmo quando é a própria que nos está a dizer, por outros canais, que nem sempre o ataque é a melhor defesa.

Em Angola está provado que a crítica, sobretudo quando ela está devidamente fundamentada, faz muito melhor à “nossa dama” e consequentemente ao próprio país, do que a sua defesa a qualquer preço e apenas no quadro de uma estratégia baseada na necessidade de não permitir que os adversários se aproveitem dos dividendos políticos.

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