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Quarta, 30 Julho 2025 16:38

Medo: obstáculo para o derrube pacífico da ditadura?

 Para a sua sobrevivência, os regimes autoritários fazem do medo uma arma política, instrumento indispensável e incontornável no controle e repressão da sociedade.

Medo, criado de várias formas e imposto aos cidadãos para garantir a manutenção no poder do mesmo grupo, mesmo que isto signifique imobilismo ou regressão da sociedade.

Essa manutenção, que figura como refúgio, segurança e mesmo sobrevivência física de autocratas e ditadores, visa proteger o status quo da elite do poder, nomeadamente, os privilégios materiais, financeiros e sociais, só alcançáveis com acesso ao poder, caminho para a apropriação dos recursos nacionais e o consequente enriquecimento ilícito.

Com medo de perder tudo, incluindo o controle da sociedade, e de se transformar em vítima do seu próprio modelo repressivo, a elite do poder recorre a medidas bárbaras, designadamente prisões e assassinatos de opositores e críticos.

Usa de forma macabra a privação de liberdade ou assassinato de opositores, críticos, e contestatários como medida “preventiva” para travar eventual rebelião generalizada que possa fugir do seu controle.

Com isso, mostra que tem medo que o medo acabe e que os opositores mobilizem a população para uma contestação em grande escala que fuja do seu controle. Assim, precisa de medidas radicais, para “cortar o mal pela raiz”, ou seja, perseguir, prender e assassinar os “mais perigosos” contestatários e opositores e todos aqueles que atrapalham o “normal funcionamento” da ditadura.

Com essa tenebrosa fórmula “preventiva” de controle, o regime quer evitar as consequências desastrosas para a sua imagem internacional de um massacre com recurso a bomba ou metralhadora que teria de usar para reprimir uma potencial revolta popular de milhares de cidadãos.

Ao adotar o medo como instrumento da governação, o regime, mais do que ameaçar os contestatários com o “Xê Menino, não fala política” da canção Velha Xica”, de Waldemar Bastos, quer dizer, sobretudo aos jovens, “não te envolvas em contestação, crítica, oposição ou manifestação contra a política e os políticos do poder.

Influência da Primavera Árabe

Se é verdade que o medo é usado, há muito, como arma política, com os acontecimentos da Primavera Árabe, sobretudo na Tunísia, onde a população corajosamente confrontou e derrubou o ditador, em Angola o poder entrou em pânico com medo do efeito contágio e, assim, reforçou-se, tornando-se ainda mais intolerante a qualquer tentativa ou esbouço de rebelião individual ou grupal.

Num País que sofreu mais de duas décadas de guerra civil, pensar e agir diferente da cartilha estabelecida pelo “Chefe” significa ser mimoseado com o anátema de perigoso para a sociedade e para a preservação da Paz e tratado como um potencial impulsionador do regresso à guerra.

Nessa fobia, o regime angolano divide a sociedade entre afoitos bajuladores e opositores críticos. Sobre estes últimos, catalogados como “inimigos da Paz e da Reconciliação Nacional”, justifica-se o uso de todo o tipo de violência.

Recorre a “manipulação política das liberdades em nome da reconciliação“, na expressão de José Castiano, filósofo moçambicano, autor do livro O Inter-Munthu” e a “atribuição de rótulos como parte do discurso de deslegitimação política” dos adversários, de acordo com Jean-Michel Mabeko-Tali, historiador congolês em Rótulos Atribuídos Rótulos Assumidos.

Medo incutido através de discursos, de documentos do partido e seus apêndices, de incitamento pelos media do discurso do ódio e da deslegitimação de críticos, opositores e contestatários. Para essa empreitada incluem ditos intelectuais e fazedores de opinião e até líderes religiosos que, tal como na religião, incentivam os cidadãos a aceitarem resignadamente o destino traçado por “Deus”.

Recorrem a mentiras, crendices e charlatanice para manipular as pessoas e induzi-las a acreditar que a sua condição de miséria e do Pais, incluindo o tipo de políticos e de regime, estão de acordo com os desígnios de Deus. Portanto, a mudança em Angola não está nas mãos dos angolanos.

Neste sistema, o chefe do regime funciona como se fosse uma divindade. Inquestionável e infalível. Por isso, qualquer contestação ao seu poder e desempenho é vista como uma heresia, profanação do templo (do poder) ou pecado. Tal como a religião amedronta os pecadores com o inferno, o regime, transmitindo a ideia de que é único salvador de Angola, faz crer que sem o MPLA o País desaparece.

Justiça e media na disseminação do medo

Para semear e disseminar o medo, são usados a justiça e os media, sobretudo os de grande alcance que cumprem a missão de perseguir judicialmente encarcerar, manipular informações e desencadear ataques de carácter sobre os anti-regime, mesmo depois de mortos.

Num estado repressivo e belicista da natureza de Angola que mata cruelmente adversários políticos, atirando os seus corpos ao rio para servir de alimento para jacarés e outros espécies aquáticas ferozes, como organizar campanhas cívicas para destituir a ditadura?

Será possível fazê-lo de forma pacífica, dada a natureza repressiva do regime avesso ao diálogo com quem almeja a construção de uma sociedade de liberdade e dignidade?

Destruir a ditadura sem violência

No seu livro Ferramentas para destruir o ditador e evitar nova ditadura – Filosofia política da libertação para Angola, baseado na obra de Gene Sharp, From Dictatorship to Democracy (1993), Domingos da Cruz acredita e mostra que em Angola é possível derrubar esse regime por meios pacíficos.

Essa forma pacífica de derrube da ditadura poderá ser através de uma rebelião interna organizada, para evitar o risco de derrubar um ditador e substituí-lo por outro, uma espécie de ditador light. Entre as várias medidas a adotar para o sucesso dessa revolução a desencadear através de resistência democrática, o autor, professor universitário no Canadá e antigo preso político do grupo 15+2, destaca, por exemplo, nunca negociar com o ditador, desobediência, estudar bem as fraquezas da ditadura para um eficaz e indispensável planeamento estratégico.

Como fazer isso em Angola, onde vigora um partido-Estado, o maior empregador é o Estado, as instituições estão todas partidarizadas, apenas 14 por cento dos angolanos em idade activa têm empregos formais, taxa de desemprego nos 30% e de desemprego jovem acima nos 60%, segundo o Instituto nacional de Estatística (INE) e onde ser funcionário público significa adular o “Chefe”?

Como planear estrategicamente uma resistência democrática, num Estado excessivamente securitário com todos os órgãos e organismo de segurança, dentro e fora do País, a defenderem e protegerem o ditador e a ditadura, em vez de servirem ao Estado?

Como fazer isso no País que transformou o slogan do tempo da guerra pela soberania nacional “cada cidadão é e deve sentir-se necessariamente um soldado” em cada cidadão é forçosamente um vigilante/bófia? Como evitar a infiltração de agentes do regime nessa Resistência Democrática?

Tudo isso tendo em conta que se trata de um Povo que na sua História recente não mostrou nenhum grande acto de coragem no País em que o medo e o estado securitário mataram a solidariedade, incentivaram o individualismo a falta de sentido de coletividade e a promoção da cultura do egoísmo?

Por isso, como defende Graça Machel, desmantelar o medo constitui um imperativo (o primeiro) para a construção de uma sociedade democrática assente no primado da lei e das igualdades e para acabar com políticas e práticas adotadas sem envolvimento e participação popular.

Como? Com trabalho de formiguinha. Perante o gravíssimo quadro social que inclui um exército de kunangas e elevado índice de criminalidade juvenil, uma bomba ao retardador que vai explodir de forma violenta e espalhar estilhaços em todas as direções e, por outro lado, com o reforço da opressão, os sinais apontam para um desmantelamento violento de um regime há muito esgotado.

Não sendo uma sociedade baseada na cultura islâmica, onde cidadãos se predispõem a sacrificar a sua vida em nome de uma causa comum, Angola, paralisada pelo medo, precisará de muito engenho para primeiro neutralizar o medo e libertar-se do desumanizante regime.

Luzia Moniz* 

Observatório da Imprensa

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