Tudo começa mal, porque amplamente incoerente, com JES e seus apoiantes. Porque não entenderam que a introdução formal da democracia multipartidária, consagrada, em Angola, por Bicesse, visava uma correção necessária, no sentido de se criar um outro tipo de Estado, que não devesse prolongar o sofrimento das populações angolanas, resultante da guerra e da instauração de uma economia altamente centralizada, inspirada na ideologia marxista-leninista, que acabou por ser abandonada pelos próprios bastiões dessa ideologia (URSS e RDA), tendo em conta a sua ineficácia.
A talhe de foice, para quem – especialmente jovens – não entende porque me afastei do rumo que o MPLA tem seguido, muito visivelmente, desde finais dos anos 90, aqui está a razão fundamental, das minhas posições, desde então.
Porque eu e alguns poucos (que, entretanto, por várias razões se silenciaram ou já partiram), tivemos esse entendimento, muito antes dos Acordos de Bicesse.
Com JES e seus apoiantes de sucessivas gerações de políticos do MPLA e não só, o entendimento é que a aceitação do novo paradigma não devia passar da mera aparência, exigida pelos circunstancialismos internos e internacionais de então, porque diziam, e ainda o dizem hoje, “o poder não se entrega de bandeja”, mesmo que isso represente a continuação do sofrimento das populações (acrescento eu). É esse pensamento que ficou consagrado na Constituição de 2010.
Como o disse, no outro dia, numa palestra, a metáfora mais esclarecedora dessa ideia de manter o sistema de partido único por outros meios, foi que ainda participei – com a minha forte oposição, claro – nas discussões que levaram à conclusão de que o programa “Angola Combatente”, que nos vinha dos tempos da luta armada contra a colonização, na Rádio Brazzaville, devesse continuar a ser emitido na RNA, com a democracia multipartidária já estabelecida, apenas mudando de nome para “Nação Coragem”.
Claro que com esse mimetismo, em que a ideia da mudança de paradigma não está ligada ao objectivo de “corrigir o que estava mal”, na filosofia, estruturação e estratégias do Estado, para melhor servir as populações, fez com que mesmo depois da guerra, as condições sociais e a degradação da ética e da moral políticas atingissem níveis tão alarmantes, que levaram JES e muitos dos seus apoiantes e instigadores a terminarem como vítimas de um sistema incoerente que aboliu os mecanismos de controlo do partido/Estado, mas impediu a criação de instituições de auto correcção permanente, próprias do Estado democrático e de Direito que foi proclamado.
Assim, pois, a preocupação de JLO sobre quem o vai substituir, dando preferência a alguém que seja jovem (inexperiente), depois de tentativas subliminares de se transladar para um terceiro mandato, não é senão um erro de óptica, próprios da mentalidade política, em países que se arrastam no subdesenvolvimento, independentemente da quantidade de recursos à sua disposição.
Aqui o foco das esperanças da saída da miséria e do sofrimento é colocado em pessoas julgadas especiais (aqui sim, julgadas predestinadas), em vez de sê-lo sobre o bom funcionamento das instituições e da sua capacidade automática de chamar os melhores da sociedade política, para o exercício de altas funções públicas, especialmente, através de eleições livres, justas e transparentes, se estivermos a viver num Estado Democrático e de Direito.
Mas, o mais deprimente é que o Presidente, que ao expressar publicamente a sua ideia de que democracia eleitoral é apenas uma formalidade que não tem qualquer valor, tanto dentro do seu partido, quanto no seio da sociedade política estadual.
Expõe os seus receios de que algo semelhante ou pior do que aconteceu ao seu antecessor possa vir a ocorrer consigo. E lá vai ele a repetir uma equação que tanto quanto eu me lembre, nunca deu resultado, tanto para os seus formuladores, muito menos para os membros das sociedades governadas, sob esses lemas completamente equivocados.
Vamos terminar dizendo: o que é preciso é refundar o Estado, segundo aquela ideia inicial. Sem isso, não haverá bons substitutos para ninguém, nem a vida vai melhorar para as elites que viverão sempre sob uma desnecessária pressão e apreensão; e muito menos se cumprirá o desejo de melhorar, substancialmente, a vida do Povo Angolano.
Estamos todos juntos e bem misturados. Contrariando aquela ideia da vã vaidade: a de que alguns não se devam misturar com quaisquer “outros”.
Por Marcolino Moco
*Ex-secretário-geral do MPLA