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Segunda, 21 Agosto 2023 14:46

“Jogadas políticas” no lugar de acções contra a pobreza

É com muita estranheza que vemos o espaço público dominado por “jogadas políticas” quando estamos a viver das piores situações sociais da Angola Independente. Olhando para as prioridades dos discursos e iniciativas dos políticos, aparentemente os políticos decidiram mergulhar a política nacional na mesma crise que se verifica ao nível da economia e do sector social.

Por Ismael Mateus

Por causa da generalizada subida dos preços dos bens essenciais, várias famílias angolanas estão numa situação de extrema precariedade, com cada vez mais dificuldades para garantir três refeições diárias, arranjar emprego ou custear as suas necessidades essenciais.

A pobreza está ligada aos altos níveis de desemprego urbano e juvenil, mas também à falta de empregos de boa qualidade, já que 80% dos empregos são informais ou oferecem salários muito baixos e, por conseguinte, fraca capacidade aquisitiva. Devido ao rápido crescimento da população e à fraca capacidade de resposta da economia angolana, a pobreza continua a subir, para além de 11,7 milhões de angolanos entre a falta de assistência médica e medicamentosa, de alimentação, acesso à água, salários à falta de combustíveis para a cozinha.

Todas as iniciativas para relançar o empreendedorismo e o investimento privado demoram a dar resultados. Por dificuldades de obtenção de créditos, o sector empresarial também não consegue relançar a sua actividade para dar emprego e produzir bens para o mercado.

Até muito recentemente estudos indicavam que a degradação da condição de vida do angolano incidia principalmente no meio rural. Por essa razão tem vindo a ser realizado, com relativo sucesso, o Programa de Fortalecimento da Protecção Social KWENDA, que já cadastrou mais de um milhão de famílias nas 18 províncias, sendo 61 municípios, 214 comunas e mais de 90 bairros e aldeias. Ainda assim, há melhorias a fazer e um sistema de distribuição e circulação de alimentos entre regiões e famílias vulneráveis poderia eventualmente resolver o problema da falta de alimentos para refeições básicas.

Mais do que nunca, há necessidade de um amplo programa de Protecção Social básica destinado à população em situação de vulnerabilidade social decorrente da probreza, privação de condições sociais e incapacidade de fazer face às necessidades de aquisição de bens essenciais. Um sistema de Protecção Social Sólido abrangente e especificamente dirigido às famílias urbanas é hoje indispensável, para que não se acentue o drama social actual e possamos reduzir a vulnerabilidade das famílias e das comunidades.

Somos mesmo defensores de um programa Kwenda-urbano, ou seja, especificamente dirgido às famílias urbanas em pobreza extrema, não só para mitigar o impacto dos choques económicos, mas também com a possibilidade de, aproveitando os exemplos do Kwenda, oferecer às famílias pobres dos centros urbanos a possibilidade de participação em programas de inclusão produtiva. Tem-se vindo a verificar acções isoladas como bolsas de estudo, passes escolares gratuitos, mas há, na verdade, necessidade de uma acção social coordenada, programada, integrada, virada para as grandes cidades e que permita, para além da transferência de renda, a distribuição de bens alimentares às famílias em risco. Perante uma crise desta dimensão é verdadeiramente confrangedor ver os políticos, representantes de um povo que passa por estas dificuldades, preocupados com tudo menos com a actual crise social. Os rios de páginas de jornais, discursos no Parlamento e tempos de antena das rádios, que deveriam ser ocupados com a busca de soluções para a crise social, estão a ser ocupados por matérias absolutamente fúteis e inférteis, sobre as quais os próprios políticos admitem que não servem para mudar o rumo do Governo, nem as políticas nem nada de significativo.

Se fôssemos um país normal, se tivéssemos políticos normais, seria expectável, por exemplo, que perante a situação actual, os grupos parlamentares estivessem a propor a criação de um sistema de acção social sólido que permita que os mais vulneráveis saiam do ciclo da pobreza.

É estranho que não se diga absolutamente nada sobre a necessidade de um profundo trabalho municipal de identificação das pessoas mais vulneráveis, mendigos, velhos crianças e mulheres em situação de pobreza extrema, assim como a já aludida necessidade de distribuição de bens alimentares.

Seria também expectável que os nossos políticos se concentrassem na fiscalização da eficácia e pressão do Governo para uma estruturação adequada dos planos de municipalização da acção social, não só para assegurar as transferências sociais monetárias, mas também outras acções destinadas a combater a fome e a falta de alimentos nas zonas urbanas.

Finalmente, também seria expectável que os nossos políticos insistissem na necessidade do Estado criar condições para que o trabalho da Sociedade Civil junto dos mais pobres e vulneráveis seja mais efectivo e com resultados concretos de resposta às vulnerabilidades das comunidades, em complementariedade com a Acção Social do Estado local.

O desajuste entre o discurso e as acções dos políticos e a vida, o dia a dia dos cidadãos que representam é talvez das notas mais evidentes da insensibilidade dos políticos angolanos de que tanta gente se queixa.

Políticos patriotas teriam feito um acordo de não agressão e trabalho juntos em prol de uma mudança rápida do quadro social actual. JA

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