No seu relacionamento com a vida politica, esta coabitação entre o jornalismo, o marketing e a propaganda já tem em Angola um caso muito especial de estudo, a projectar uma realidade complexa que escapa ao cidadão comum que acaba por ser a principal vítima deste mix mediático que é quanto a nós muito pouco virtuoso se estivermos realmente interessados em apostar numa cidadania responsável e crítica que é a única que garante a necessária qualidade e sustentabilidade ao projecto democrático.
Como sabemos os próprios partidos podem desaparecer, mas os cidadãos ficam sempre para contar a história de mais um sumiço.
Esta grande exposição mediática da vida política dos países onde governos, oposições e sociedade civil se cruzam não conseguiu retirar da agenda os famosos bastidores, onde como se sabe se definem as estratégias e os diferentes actores combinam as suas movimentações no xadrez nacional.
Digamos que a maior visibilidade que a intervenção politico-partidária alcançou, por força desta mediatização crescente da vida social que passou a ter na Internet/Redes Sociais um novo e poderoso parceiro, não corresponde necessariamente a um aumento da transparência na actuação dos políticos.
Seja como for já não nada é como no passado nem voltará a ser, mesmo em países onde os governos viveram fortemente protegidos por muros e cortinas e que hoje estão muito lentamente a abrir-se às respectivas opiniões públicas no âmbito de enviusados e contraditórios processos de democratização ainda bastante controlados ou mesmo manipulados por tutelas mais ou menos visíveis.
Sem falar dos debates parlamentares, há cada vez mais congressos partidários a serem transmitidos em directo pelas televisões e também já há mesmo governos que realizam os seus conselhos de ministros com as portas abertas, mesmo que for só para inglês ver.
Para os efeitos deste debate mais específico para que fomos convidados e que tem a realidade angolana como pano de fundo, é incontornável o território mediático como espaço público por excelência desde que baseado nos princípios da liberdade de imprensa e do direito à informação, com as necessárias garantias de que não há gato escondido com o rabo de fora ou que não estamos a comer gato por lebre.
Não tenho qualquer dúvidas em afirmar que hoje, cerca de 12 anos depois das armas se terem calado, teríamos em Angola um debate político muito menos crispado e muito mais virado para o futuro, se o tal território mediático fosse mais independente de qualquer tutela, o que como sabemos não é o nosso caso, nem vai ser tão cedo, a manterem-se as tendências actuais.
Lamentavelmente é a ausência de um debate público mais estruturado, que passa a ser substituído por outras manifestações políticas mais agressivas, a principal fonte que continua a alimentar receios desnecessários quanto ao porvir, como se a intenção fosse manter os cidadãos reféns de qualquer coisa estranha mas terrível para as suas vidas.
Do ponto de vista mais eleitoralista percebe-se com alguma dificuldade este cerco virtual ao cidadão, como garantia do chamado voto seguro, mas é cada mais difícil aceitar que a vida política de um país que tem de esquecer o passado para abraçar definitivamente o futuro, se faça com estas balizas que só nos distanciam uns dos outros, enquanto construtores do mesmo projecto, que é fazermos de Angola um país bom para se viver, palavra de ordem oficial com a qual não poderíamos estar mais de acordo.
O que é facto e o que mais ressalta deste mobilizador e algo poético desiderato, dura realidade oblige, é que Angola ainda não é um país bom para se viver, nem vai ser tão cedo, pois achamos que o modelo adoptado, já deu provas de não estar a altura das exigências e das urgências, face aos profundos desequilíbrios e assimetrias.
Não é mesmo para a maioria dos angolanos que hoje vive entre as fronteiras da pobreza e da exclusão social, tendo a criminalidade crescente como principal ameaça à paz social das suas comunidades.
A melhor forma de lá chegarmos, a esta Angola paradisíaca para todos, sem nos perdermos novamente pelo caminho como já aconteceu no passado, é encontrarmos um mínimo denominador comum que nos permita sem outros receios sermos assumidamente diferentes e distintos, sem necessidade de voltarmos a ser inimigos de morte e muito menos a ter de pensar em novas e devastadoras guerras.
Uma média pública mais arejada e sobretudo editorialmente independente do poder político, que é o que a Constituição de 2010 exige claramente, seria quanto a nós uma extraordinária mais valia para esta necessidade de fazermos evoluir o debate político para outros patamares mais consentâneos com os interesses nacionais e com o próprio desenvolvimento sócio-económico.
No que toca às recorrentes questões da paz e da reconciliação nacional que preocupam os organizadores desta Conferência, a média pode não fazer milagres, mas se ela tiver uma outra orientação, teremos certamente os nossos políticos pressionados a darem outras respostas aos desafios do presente e do futuro, porque as prioridades da agenda informativa sairão apenas da cabeça dos jornalistas e dos editores e dos directores, livres de outras lealdades, fidelidades e especialidades.
Por outro lado também acreditamos que na cobertura mais jornalística dos factos políticos mais complicados onde a violência e a intolerância se fazem presentes, os médias teriam certamente um outro contributo a dar ao país, se não desinformassem, nem manipulassem. Lamentavelmente sempre que há bronca entre Governo e a Oposição, a média não tem sido capaz de observar apenas a realidade objectiva ou de investigar minimamente o que se passou ou se está a passar.
A qualidade e a eficácia do nosso jornalismo mais político depende hoje de questões que muitas vezes escapam completamente ao desempenho dos profissionais que muitas vezes só não colocam as questões que a própria actualidade exige, por outras razões que a própria razão desconhece, mas que qualquer observador da realidade angolana saberá entender perfeitamente.
Gostaríamos de chamar para aqui o exemplo da TV Zimbo que nos últimos tempos abriu um espaço a que chamou de "Debate Livre" numa curiosa mas intencional redundância, como se estivesse a mandar algum recado a alguém da concorrência que faz debates amordaçados.
Ainda não vi debates com os participantes amordaçados o que seria técnicamente impossível, mas deparo-me algumas vezes com verdadeiras orquestras em palco que não fazem muito sentido para quem estava a espera de ver a luz nascer da discussão assumida por pessoas que pensam pela sua própria cabeça.
Ainda ontem terça-feira tivemos na Zimbo mais um destes acalorados debates políticos com o contraditório devidamente assegurado.
Esta experiência da Zimbo que corresponde a uma segunda fase da sua existência depois de um prolongado marasmo, prova, mais uma vez, que não já há nenhuma ameaça para a estabilidade do país que possa resultar de um debate político por mais contraditório que ele se apresente do ponto de vista dos argumentos e das ideias.
Com este tipo de debate estará seguramente a média a ser o melhor espaço para ajudar o país a reencontrar-se e a exorcizar todos os seus fantasmas, que hoje ainda ameaçam a paz e a reconciliação nacional, com a certeza de que a guerra de ontem perdeu todas as oportunidades de regressar ao presente.
Por Reginaldo Silva
Morro da Maianga