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Sexta, 14 Janeiro 2022 15:05

Quando a bota não bate com a perdigota - Graça Campos

Revelando faro mais apurado que o de um pastor alemão ou de um labrador e uma visão infinitamente superior à de um lince, no dia 10 de Janeiro o primeiro secretário provincial do MPLA de Luanda sugeriu não ter dúvidas sobre a mão de quem manchou a greve dos taxistas ocorrida nesse dia.

“Ganhar eleições não é vandalizar e atear fogo e destruir instalações”, disse Bento Bento. Todos os cidadãos lúcidos descodificaram o destinatário da acusação do responsável provincial do MPLA.

Terça-feira e dirigindo-se à Nação a propósito dos acontecimentos da véspera, o Presidente da República aludiu a uma segunda-feira que “foi um verdadeiro acto de terror cujas impressões digitais deixadas na cena do crime são bem visíveis e facilmente reconhecíveis, e apontam para a materialização de um macabro plano de ingovernabilidade através do fomento da vandalização de bens públicos e privados, incitação à desobediência e à rebelião, na tentativa da subversão do poder democraticamente instituído”.

Presidente da República, Titular do Poder Executivo e Comandante-em-Chefe das FAA, João Lourenço tem acesso a informações – fornecidas, entre outros, por todos os ramos dos diversos serviços de inteligência – que lhe permitiriam identificar os autores morais ou materiais dos violentos acontecimentos do dia 10 mesmo porque, segundo ele, as “impressões digitais deixadas na cena do crime são bem visíveis e facilmente reconhecíveis”.

Como Bento Bento, também o Presidente João Lourenço não nomeou os bois.

Na quinta-feira, 13, o Secretariado do Bureau Político do MPLA fez o que nele é inevitável: repetiu quase com as mesmas palavras de João Lourenço.

Num comunicado, o SBP considerou “deplorável e irresponsável o aproveitamento decorrente da paralisação de uma pequena parte dos táxis de Luanda, servindo de pretexto para a prática de um acto de terror, deixando evidente a materialização de um macabro plano de ingovernabilidade através do fomento da vandalização de bens públicos e privados, incitação à desobediência civil, na tentativa da subversão do poder democraticamente instituído”.

Para não variar, também dessa vez o SBP entende que actos como o de segunda-feira não se repetirão se “os militantes, simpatizantes e amigos do Partido” “cerrarem fileiras em torno do Camarada Presidente João Lourenço, que lidera de forma implacável os processos conducentes à promoção do desenvolvimento humano e bem-estar dos angolanos”.

Mais uma vez, aos angolanos foi negada a identidade dos promotores dos actos que visam a “ingovernabilidade através do fomento da vandalização de bens públicos e privados, incitação à desobediência civil” com o vil propósito de subverter o poder democraticamente instituído”.

Para não perder o hábito de servir com irreprimível subserviência o patrão, a comunicação social pública, sobretudo a televisiva, com imagens e debates, para os quais convidou indivíduos cirurgicamente escolhidos, “colou” os acontecimentos de segunda-feira aos partidos da oposição, nomeadamente a UNITA.

Mas – como dizem os portugueses – a bota não bate com a perdigota, ou seja, alguma coisa não bate certo com outra.

Até quinta-feira, 11 dos dos 32 suspeitos de envolvimento na violência de segunda-feira, foram absolvidos pelo Tribunal Provincial de Luanda. Os restantes, 21, foram condenados a penas leves – 30 dias convertidos em multa.

Ou seja, as decisões do TPL não dão suporte ao alarido tanto do Presidente da República quanto do seu partido.
Traduzido por miúdos, ou a Polícia não consegue identificar os portadores das” impressões digitais deixadas na cena do crime” ou os verdadeiros criminosos não podem ser identificados.

A verdade é que todos os suspeitos – que se apresentaram em julgamento com claros sinais de violência física – já teriam dado com a língua nos dentes se fossem os verdadeiros “artistas” da segunda-feira de violência ou se o tivessem feito a soldo de outrem.

Todos os angolanos sabem que, se efectivamente, tivessem as suas impressões digitais indeléveis não cena do crime, qualquer daqueles “camarada” teria saído do tribunal com pena de prisão perpétua ou muito próximo dela.

A comunicação social pública deveria extrair desses episódios a ilação de que nem tudo o que parece é.
A caminho das próximas eleições gerais, espera-se que os jornalistas que servem nos meios públicos de comunicação social aprendam a dissociar a informação da propaganda.

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