O MPLA vive uma situação em que, no afã de se manter no poder a todo o custo, despiu-se de todo o pudor sobre os estratagemas a que tem recorrido para inviabilizar a alternância. O Partido-estado revela estar engajado em ver legalizadas as práticas eleitorais que viabilizaram as fraudes eleitorais de 2008, 2012 e 2017, como se vê na sua proposta de projecto de alteração da lei eleitoral vigente, em que, por exemplo, estabelece que a contagem dos votos não deve ser nos municípios nem nas províncias; estabelece o apuramento com base nas actas-sínteses (que não são assinadas pelos delegados de lista); estabelece a não publicação dos nomes dos delegados de lista no jornal etc. Da mesma forma, sem mais se preocupar com as aparências, o MPLA, por via do comunicado em referência, acabou por revelar que realmente está a instrumentalizar o TC para derrubar ACJ do cargo de Presidente da UNITA.
Basicamente, mediante o comunicado, em que referiu que ACJ está por um fio, o MPLA deu um recado aos 11 juízes do TC, no sentido de que produzam um acórdão que derrube ACJ. Desta forma, o regime terá conseguido também aniquilar a Frente Patriótica Unida (FPU), que tem na UNITA de ACJ um grande e decisivo promotor e impulsionador. É por essa razão que o problema do processo de impugnação de ACJ não é apenas problema dele e da UNITA.
Quando o PRA-JA foi chumbado pelo TC, tal decorreu de uma orientação clara do Bureau Político do MPLA, cuja carta de instrução ao TC foi vazada e publicada amplamente nas redes sociais. Na altura, a muitos cidadãos e cidadãs tal facto não afectou. Houve até quem esfregou as mãos de contente, como se o problema fosse apenas de Abel Epalanga Chivukuvuku (AEC), seus pares e seu projecto. Hoje está mais do que evidente que o problema era de todos quantos estão comprometidos com a alternância em Angola, pois, na altura estava apenas em andamento uma de várias fases do plano do regime do MPLA que consiste em bloquear AEC e derrubar ACJ, ou seja, tirar de cena as duas principais figuras da oposição.
Reitero aqui: o problema do processo de impugnação de ACJ não é apenas problema dele e da UNITA. É problema da FPU. É problema de todos os cidadãos e cidadãs que almejam a alternância em Angola.
Os Angolanos e Angolanas devem entender de uma vez por todas que o MPLA – que não tem limites no esforço de se manter no poder – deve ser travado. Igualmente, devem entender de uma vez por todas que não existe tal coisa de independência do poder judicial em Angola. O MPLA usa as instituições judiciais a seu bel-prazer. Usou o TC para bloquear AEC, e está agora a usar o TC para derrubar ACJ. Neste sentido, é um erro cair na falácia de que os cidadãos e cidadãs devem confiar no TC e demais instituições judiciais, a par de outras.
Entrementes, emerge a seguinte questão: que risco o regime corre ao recorrer ao estratagema de instrumentalizar o TC para derrubar ACJ?
Ora, ao fazer isso, o regime está a esticar demasiado a corda, ou seja, no afã de se manter no poder a todo o custo, o regime do MPLA está com o caso em referência a pôr em risco a própria paz, pois, está a mexer com a estrutura nuclear de um partido (com uma longa história de luta, resistência e sobrevivência) que entende que há limites para tudo, quando os seus militantes, sem precisarem de orientação, estão a preparar-se psicologicamente para reagirem energicamente caso o regime vá adiante e ACJ seja derrubado.
Desde Abril de 2002, o MPLA diversas vezes levou a UNITA a situações extremas, em que a paz só foi mantida, porque a UNITA soube controlar-se. Em nome da paz e da estabilidade política, a UNITA, como disse o seu ex-presidente Isaías Samakuva, teve de engolir muitos sapos, ou seja, suportou com inteligência situações que, de outro modo, teriam levado à instabilidade política e ao conflito.
Entretanto, há limites. A paz não pode ser mantida por tempo indefinido se apenas uma das partes é que se esforça para tal. O MPLA, no afã de se manter no poder a todo o custo, criou diversas situações que teriam novamente mergulhado Angola na guerra. E a UNITA está a ser levada a um extremo gravíssimo em que tem de decidir se vai deixar o regime mexer-lhe o presidente ou se vai reagir energicamente, isto é, decidir se, depois de ter engolido todos os sapos e rãs, vai também ter de engolir toda a água da lagoa em nome da paz e da estabilidade, uma paz e estabilidade que já se tornaram podres, ou se vai reagir à altura da desfaçatez do regime do MPLA, o qual acredita que pode enfiar os seus dedos nos olhos da UNITA sem esta reagir.
Foi o MPLA que, a 11 de Novembro de 1975, tomou o poder à revelia e passou a excluir a FNLA e UNITA, dando início à guerra civil.
Foi o MPLA que, em Outubro de 1992, depois do anúncio dos resultados eleitorais, comandou os Fitinhas e outras milícias que mataram milhares de militantes, simpatizantes e amigos da UNITA, sendo que até cidadãos que nada tinham a ver com a mesma foram chacinados.
Actualmente, é o MPLA que, no afã de se manter no poder, está a implementar a fase seguinte do seu plano de aniquilar as principais figuras da oposição, estando agora engajado em derrubar ACJ (já conseguiu bloquear AEC e o PRA-JA) e, por tabela, a FPU, esticando demasiado a corda ao ponto de a paz e a estabilidade – já podres faz tempo – estarem em risco.
Por Nuno Álvaro Dala