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Segunda, 16 Agosto 2021 22:18

O processo de impugnação de ACJ e o risco de esticar demasiado a corda

Para quem, mais do que ler, estudou o comunicado do Bureau Político do MPLA de 7 de Agosto (escrito nervosamente), ficou evidente que no mesmo o MPLA autodenunciou-se como estando a par dos desenvolvimentos do processo que corre trâmites no Tribunal Constitucional (TC), da autoria de um grupo de obscuros militantes da UNITA que, na fundamentação da acção, basicamente argumentam que Adalberto Costa Júnior (ACJ) deve deixar de ser Presidente da UNITA por alegadamente terem sido violados os Estatutos da UNITA, na medida em que o então candidato não terá renunciado à nacionalidade portuguesa dentro dos prazos estabelecidos.

O MPLA vive uma situação em que, no afã de se manter no poder a todo o custo, despiu-se de todo o pudor sobre os estratagemas a que tem recorrido para inviabilizar a alternância. O Partido-estado revela estar engajado em ver legalizadas as práticas eleitorais que viabilizaram as fraudes eleitorais de 2008, 2012 e 2017, como se vê na sua proposta de projecto de alteração da lei eleitoral vigente, em que, por exemplo, estabelece que a contagem dos votos não deve ser nos municípios nem nas províncias; estabelece o apuramento com base nas actas-sínteses (que não são assinadas pelos delegados de lista); estabelece a não publicação dos nomes dos delegados de lista no jornal etc. Da mesma forma, sem mais se preocupar com as aparências, o MPLA, por via do comunicado em referência, acabou por revelar que realmente está a instrumentalizar o TC para derrubar ACJ do cargo de Presidente da UNITA.

Basicamente, mediante o comunicado, em que referiu que ACJ está por um fio, o MPLA deu um recado aos 11 juízes do TC, no sentido de que produzam um acórdão que derrube ACJ. Desta forma, o regime terá conseguido também aniquilar a Frente Patriótica Unida (FPU), que tem na UNITA de ACJ um grande e decisivo promotor e impulsionador. É por essa razão que o problema do processo de impugnação de ACJ não é apenas problema dele e da UNITA.

Quando o PRA-JA foi chumbado pelo TC, tal decorreu de uma orientação clara do Bureau Político do MPLA, cuja carta de instrução ao TC foi vazada e publicada amplamente nas redes sociais. Na altura, a muitos cidadãos e cidadãs tal facto não afectou. Houve até quem esfregou as mãos de contente, como se o problema fosse apenas de Abel Epalanga Chivukuvuku (AEC), seus pares e seu projecto. Hoje está mais do que evidente que o problema era de todos quantos estão comprometidos com a alternância em Angola, pois, na altura estava apenas em andamento uma de várias fases do plano do regime do MPLA que consiste em bloquear AEC e derrubar ACJ, ou seja, tirar de cena as duas principais figuras da oposição.

Reitero aqui: o problema do processo de impugnação de ACJ não é apenas problema dele e da UNITA. É problema da FPU. É problema de todos os cidadãos e cidadãs que almejam a alternância em Angola.

Os Angolanos e Angolanas devem entender de uma vez por todas que o MPLA – que não tem limites no esforço de se manter no poder – deve ser travado. Igualmente, devem entender de uma vez por todas que não existe tal coisa de independência do poder judicial em Angola. O MPLA usa as instituições judiciais a seu bel-prazer. Usou o TC para bloquear AEC, e está agora a usar o TC para derrubar ACJ. Neste sentido, é um erro cair na falácia de que os cidadãos e cidadãs devem confiar no TC e demais instituições judiciais, a par de outras.

Entrementes, emerge a seguinte questão: que risco o regime corre ao recorrer ao estratagema de instrumentalizar o TC para derrubar ACJ?

Ora, ao fazer isso, o regime está a esticar demasiado a corda, ou seja, no afã de se manter no poder a todo o custo, o regime do MPLA está com o caso em referência a pôr em risco a própria paz, pois, está a mexer com a estrutura nuclear de um partido (com uma longa história de luta, resistência e sobrevivência) que entende que há limites para tudo, quando os seus militantes, sem precisarem de orientação, estão a preparar-se psicologicamente para reagirem energicamente caso o regime vá adiante e ACJ seja derrubado.

Desde Abril de 2002, o MPLA diversas vezes levou a UNITA a situações extremas, em que a paz só foi mantida, porque a UNITA soube controlar-se. Em nome da paz e da estabilidade política, a UNITA, como disse o seu ex-presidente Isaías Samakuva, teve de engolir muitos sapos, ou seja, suportou com inteligência situações que, de outro modo, teriam levado à instabilidade política e ao conflito.

Entretanto, há limites. A paz não pode ser mantida por tempo indefinido se apenas uma das partes é que se esforça para tal. O MPLA, no afã de se manter no poder a todo o custo, criou diversas situações que teriam novamente mergulhado Angola na guerra. E a UNITA está a ser levada a um extremo gravíssimo em que tem de decidir se vai deixar o regime mexer-lhe o presidente ou se vai reagir energicamente, isto é, decidir se, depois de ter engolido todos os sapos e rãs, vai também ter de engolir toda a água da lagoa em nome da paz e da estabilidade, uma paz e estabilidade que já se tornaram podres, ou se vai reagir à altura da desfaçatez do regime do MPLA, o qual acredita que pode enfiar os seus dedos nos olhos da UNITA sem esta reagir.

Foi o MPLA que, a 11 de Novembro de 1975, tomou o poder à revelia e passou a excluir a FNLA e UNITA, dando início à guerra civil.

Foi o MPLA que, em Outubro de 1992, depois do anúncio dos resultados eleitorais, comandou os Fitinhas e outras milícias que mataram milhares de militantes, simpatizantes e amigos da UNITA, sendo que até cidadãos que nada tinham a ver com a mesma foram chacinados.

Actualmente, é o MPLA que, no afã de se manter no poder, está a implementar a fase seguinte do seu plano de aniquilar as principais figuras da oposição, estando agora  engajado em derrubar ACJ (já conseguiu bloquear AEC e o PRA-JA) e, por tabela, a FPU, esticando demasiado a corda ao ponto de a paz e a estabilidade – já podres faz tempo – estarem em risco.

Por Nuno Álvaro Dala

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