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Sábado, 04 Junho 2016 11:28

A intolerância como exercício da afirmação política

Contrariamente aos ditames de algumas regiões do continente africano, em que as minorias étnicas acabam por se transformar em "presas fáceis" das maiorias, da arrogância e da intolerância política dos grupos dominantes, o posicionamento fracturante da sociedade angolana, no que à política diz respeito, decorre de uma tendência endógena de exclusão que tem origem nos então movimentos de libertação nacional, ainda hoje muito evidenciada na tendência como os políticos olham para os seus adversários. Uma tese por nós há muito defendida!

E esta tendência de exclusão por via das opções políticas - e não ideológicas, ainda para mais, diga-se (até porque muitas das forças partidárias angolanas nem isso mesmo têm definido nos termos mais cristalizados; no credo confesso e na actuação normativa), em Angola substituiu aquilo que nos Grandes Lagos é incorporado na afirmação da vontade das maiorias sobre as minorias. Uma tendência que redundou em males como o genocídio do Rwanda, conflitos na República Centro Africana, entre rebeldes muçulmanos Seleka e milícias cristãs, só para citar esses.

Por conseguinte, o exercício da política em Angola, por não se munir de princípios ideológicos orientadores, que o levariam depois para o campo da ética e da moral, da tolerância, da igualdade de direitos e de oportunidades perante a Lei, assumiu um carácter exclusivista, de tal ordem que há uma tendência pretensiosa de que todo o juízo de valor que se torne público tenha de assumir automaticamente uma tendência mensurável por via do barómetro político-partidário. E assim anda o país!

O normal, contudo, seria se se ficasse apenas pelo viés político, se partirmos do princípio clássico de que "todo o homem é um animal político por excelência". Porém, facto é que este barómetro revela-se mais partidário do que político, de tal sorte que não há opiniões livremente aceites como sendo apartidárias ou apolíticas, por exemplo, sobretudo se em causa estiverem políticas de governo versus posicionamento contrário a estas mesmas políticas.

Como resultado, temos uma política que não obedece aos princípios do exercício ideológico como uma expressão do corpus que forma os interesses dos diferentes grupos que compõem a sociedade angolana. Como, aliás, é absolutamente natural nas sociedades modernas. No entanto, temos uma política que se reveste de argumentos inflamatórios que visam, por defeito de conceito, transformar o adversário político num alvo a quem se exige o "devido respeito" por via da intolerância política.

No entanto, em política, a ideologia é o Facto e os interesses de grupo ou do colectivo as consequências formais e materiais deste Facto. Daí que é nosso entendimento que Angola anda órfã de uma cultura ideológica ou de culturas ideológicas que nos ajudem a eventualmente humanizar mais o exercício da política e depois fazer do exercício partidário um instrumento ao serviço das várias ideologias. Não havendo ideologia que sustente inclusivamente as acções de governação, esta é substituída pela prepotência e pela arrogância da classe política (fundamentalmente da parte de quem exerce o poder).

Ao defender ou dizer professar o "socialismo democrático", a actuação política do MPLA - partido com responsabilidades acrescidas que devia ter por missão primeira a preservação da paz política e social, por ser até hoje o único a governar o país desde 1975 -, acaba por se revelar numa antítese de si próprio, por esta acepção que diz ser a sua matriz ideológica não assentar em práticas que reproduzam as marcas dos princípios ideológicos da social democracia. O MPLA, neste capítulo, tem práticas de lavrador, mas assume-se como um lenhador por excelência. E isso nada tem que ver com ser contra ou a favor de nada. É uma análise que qualquer cidadão atento vê na sua actuação política!

Os últimos episódios de intolerância política, por exemplo, que tiveram lugar no município do Cubal, em Benguela, envolvendo parlamentares da UNITA e alegados militantes do MPLA são reveladores de uma política de exclusão do Outro que não fica bem ao partido no poder, uma vez que estes actos são praticados, no fundo, "em nome dos interesses de quem exerce o poder", para não dizer pior. A partir do momento em que um partido é poder, todos os actos que ocorram em sua alegada defesa, mesmo quando assim não o é, deviam merecer a pronta condenação de quem governa. Coisa que, uma semana depois, ainda não se ouviu do partido que é poder em Angola!

Estamos agora recordados que numa das ocasiões - em que morreram militantes partidários na sequência de actos de intolerância política - vimos um oficial da Polícia Nacional alegar ou a justificar(?) que aqueles actos teriam sido motivados por sentimentos de vingança popular pelo facto de no tempo do conflito civil a zona ter estado sob alçada da UNITA. Ora, não faz qualquer sentido as autoridades apresentarem esta premissa senão aquela que é sobejamente conhecida no jogo político e perante tais situações: A intolerância política não pode ter um outro nome a não ser aquele que o facto em si representa.

© NJ

 

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