Terça, 05 de Agosto de 2025
Follow Us

Segunda, 04 Agosto 2025 20:49

Ficou provado que não temos liderança

Quase ninguém sabe se o Presidente da República, João Lourenço, é, do ponto de vista político e intelectual, suficientemente capaz de assumir que tem cometido erros gravíssimos na gestão da Nação.

Porque não tem dado provas dessa capacidade (humildade); porque, a cada passo, transmite uma imagem de extrema arrogância, de que é uma figura pouco social e consensual (e isso vem de longe); que ouve pouco e mal; que não reconhece que tem limites, que não pode tudo, não é obrigado, nem tem que dominar tudo; que é um péssimo exemplo no exercício e no funcionamento de um Estado de Direito e Democrático, e, politicamente, um perigo para a estabilidade; porque sempre que intervém, em discursos ou em entrevistas, gera conflitos.

O Presidente da República, João Lourenço, tem assim demonstrado, que não está talhado nem do ponto de vista de carácter, nem académico e nem se formatou para o exercício de tão elevado cargo, embora o tenha ambicionado. Demonstra que lhe falta energia, alegria e espontaneidade nas relações humanas. Falta-lhe, também, aquele calor característico e incomparável dos africanos, que até transborda pelos poros, mesmo no caso dos que são mais serenos e cordatos. E uma Nação que viveu um longo período de guerra, terminada a pouco mais de duas décadas, com tantas feridas ainda por sarar, precisa da contaminação dessa energia e alegria para celebrar a paz, a harmonia e a verdadeira reconciliação, volvidos quase 50 anos de Independência. E constitucionalmente, o Presidente da República deveria ser essa figura, esse exemplo na transmissão desse ânimo. Mas, infelizmente, não é nem tem sido capaz, nem na Presidência da República, nem na do seu partido, transformado sob a sua gestão, numa albergaria de subservientes que “não tugem nem mungem”, salvo se, para malhar na oposição, o único ‘serviço’ que se lhes reconhece protagonismo.

Em suma, o Presidente que temos, não transmite empatia. Logo, quando terminar o mandato na Presidência da República, acredito que nem os bajuladores que o cercam sentirão saudades. E a maioria, provavelmente, até já conta as horas e os dias para que isso aconteça o mais rapidamente possível, porque para eles, esse servilismo também pode estar a funcionar como uma prisão, aparte os privilégios e as viagens, no pós-lourencismo. Para todos aqueles a quem mandou ‘passear’, os dois anos que faltam para novas eleições parecem uma eternidade.

Hoje, frustrada a esperança de reformas nele depositadas, quando foi indicado para substituto pelo então Presidente da República, José Eduardo dos Santos, temo-lo mais equiparado àqueles chefes africanos, que só ‘brilham’ pelo seu autoritarismo e pelo luxo com que se apresentam, ao invés de, pela sua competência de liderança, na resolução dos crónicos problemas que condicionam o viver com dignidade dos seus povos. E é exactamente isso que, chegados aqui, neste momento conturbado de crise social e descontentamento generalizado, que percebemos onde reside o nosso grande défice: em Angola não temos liderança. Temos, sim, um Presidente, mas a essa figura, falta algo especial que se define como carisma, esse “dom natural, extraordinário, que agrega um conjunto de valores e habilidades e/ou poder de encantar, de seduzir, que faz despertar a aprovação e a simpatia das massas para o bem da comunidade. Uma autoridade irresistível que fascina”. Não temos!

Escrevo sobre isso com alguma propriedade, porque sobretudo no meu exercício profissional como jornalista vivenciei, acompanhei, por Angola e no estrangeiro, quer o Presidente Agostinho Neto, quer o Presidente José Eduardo dos Santos. Sentia-se neles a presença de líderes e de estadistas. Tranquilos, serenos, empáticos, apesar dos erros que cometeram. E também vi chegar das matas ou saídos das cadeias coloniais e acompanhei a maioria desses dirigentes do MPLA, antes pobres e hoje feitos milionários. Até noite adentro, corrigi centenas de discursos que éramos obrigados a tirar do gravador para o papel, numa altura em que o Jornal de Angola e os demais órgãos de informação, estavam obrigados pela ditadura, a divulgar todos os discursos de membros do Comité Central e do Bureau Político do MPLA, para além dos ministros, na íntegra. Contextos diferentes é verdade, mas se comparados com o actual, sob direcção do Presidente João Lourenço, facilmente concluo que, em todos os integrantes dessa nova fornalha de políticos e governantes, falta aquela empolgação que nos contagiava, que nos devia cativar e unir nesta fase de outros grandes desafios, em torno de um projecto de nação. Porque, decorridos quase 50 anos de Independência, nem sequer sabemos que projecto é esse: se do MPLA, se do Presidente e do sistema que o mantém. É que quase ninguém se identifica com ele, porque é injusto, continua a dar aos ricos mais riqueza e aos pobres, mais pobreza.

Se me perguntasse onde foi que errou, ou melhor, onde falhou, não teria pejo ou receio de dizer-lhe, que primeiro, foi fatal ter amordaçado a comunicação social, sobretudo, a pública. Não é que antes não houvesse também ‘cafricagem’. Mas, na sua gestão, ela foi acorrentada e atirada para as catacumbas do Palácio. E a sociedade, perdeu o escape onde debitava as suas contribuições, os seus desabafos e descomprimia. Essa sociedade foi, literalmente, desprezada, sufocada e substituída por uma geração de agentes formados pelos órgãos de segurança do sistema, por políticos sem brio e sem-pudor, e por alguns quadros da academia, cooptados para branqueamento da imagem da governação, mas, sobretudo, do Presidente João Lourenço, quase transformado no único pensador do País e no novo Deus dos angolanos. Caso intrigante entre nós e na maior parte dos Estados, mesmo sob regimes ditatoriais e repressivos, em Angola agentes dos serviços de inteligência que por regra deviam actuar na sombra, tornam-se comentaristas de televisão, e pior ainda, se expõem atacando a sociedade, e, particularmente a oposição, ocultando o conhecimento da verdade, que não favorece a tomada de decisão, e criando focos de tensão política e social. Estratégia de loucos.

Com essa postura, o poder lourencista matou o espaço de contribuição aberta da sociedade na abordagem dos seus próprios problemas, que, por outro lado, devia servir de barómetro de quem manda para medir os anseios da generalidade. Até os debates fora dos órgãos da comunicação social, passaram a ser entendidos como atentados contra quem está no poder e os seus organizadores, académicos, asfixiados, exonerados e perseguidos. E o ambiente passou a funcionar como uma ‘panela’ de pressão a ferver. Ficaram apenas com a visão inquinada, enganadora, de que essa barreira e tentativa de lavagem cerebral, surtia efeito. Mas, o resultado foi, exactamente, contrário. Com o ferrolho na comunicação social pública, a sociedade aproveitou a abertura dos poucos espaços sobretudo nas rádios privadas, e expandiu-se para a liberdade e libertinagem das redes sociais, infiltradas também, diga-se, por centenas, senão milhares, de metralhas pagos pelo sistema e espalhados por Angola e pela Europa que, preocupados com o assassinato público de carácter e da honra de quem não se verga ao poder, não tiveram capacidade para fazer as devidas leituras sobre o que podia acontecer. E foi no que deu nos últimos dias. Não foi nada que não era previsível, diante da tomada de tantas e tão gravosas medidas económicas impopulares e de falta de diálogo.

Durante esse período, de quase dois mandatos e decorridos oito anos, questionamos o que o Presidente da República mais fez de notável para além das suas obrigações constitucionais? Cometeu um segundo erro de grande gravidade. Virou-se excessivamente para a projecção da sua imagem para lá das nossas fronteiras, a pretexto de voltarmos a ter acesso aos dólares, que não conseguiu, e de captar investimento estrangeiro, que não justifica o custo, em vez de olhar com olhos de visionário para dentro, onde estão os problemas e onde também se devem encontrar as soluções, com a comparticipação de todos. E para satisfação do seu ego, fez-se ao cargo da presidência da União Africana, manchada agora com os assassinatos e prisões ocorridos nesta semana, vistas pelo mundo, mas propositadamente ignoradas e silenciadas pela comunicação social pública.

Tivesse iniciado, como prometeu, com reformas estruturais no aparelho do Estado, investindo mais na economia e nos recursos humanos, torrando menos dinheiro com viagens e com luxos para sua própria acomodação e apresentação, incluindo as infindáveis remodelações no Palácio, compra de viaturas, de aviões e shows para inglês ver, provavelmente, hoje, Angola não estaria a sentir tanto o impacto da crise internacional, agravada pelo Covid, que outras nações, pela competência e comprometimento das suas lideranças, não levam os seus cidadãos ao desespero.

Contas por alto, de todos os gastos e extravagâncias do Chefe, Angola deve ter gasto mais de 3 mil milhões de USD, que fizeram falta no que é prioritário: o desenvolvimento da agro-indústria, por exemplo, para apoio, suporte e fixação das famílias no campo e nas zonas rurais. Tivesse sido feito, no país onde nascem agora cerca de 1,5 milhões de angolanos por ano, haveria mais oferta de comida e de emprego, porque boa parte dos jovens desocupados que se deslocaram do interior para Luanda e fazem pressão, provavelmente não teriam saído das suas zonas de origem. Não seriam os excluídos e revoltados que vendem nas ruas e nos mercados, que assaltam lojas, agências bancárias mas também o pacato cidadão que trabalha e paga os seus impostos. Estariam, eventualmente, também a cultivar milho, feijão, mandioca, batata, café e a ganhar dinheiro para a sua própria sustentação.

Mas, falta visão, falta liderança e seguiram-se outros erros, que constituirão base para os nossos argumentos na próxima abordagem. Por exemplo: entre gastar 300 milhões de USD para a construção de um Centro de Convenções na Chicala, que depois consumirá mais outros tantos milhões a cada ano para a sua manutenção, o que deveria constituir prioridade para quem não nada em abundância de recursos e tem a sua população na miséria?

Continua...

Por Ramiro Aleixo

Rate this item
(0 votes)