Nas últimas semanas, a empresa de consultoria de origem norte- -americana Boston Consulting Group (BCG) admitiu que pagou subornos em Angola para obter contratos, entre 2011 e 2017, que geraram receitas totais de 22,5 milhões USD, junto do Ministério da Economia e do Banco Nacional de Angola (BNA). Apesar de estas informações serem públicas e de terem sido divulgadas por vários órgãos de comunicação social nacionais e internacionais, a Procuradoria-Geral da República (PGR) mantém-se em silêncio sobre o processo.
Na terça-feira, 03, o Expansão perguntou à PGR se estas informações deveriam originar a abertura imediata de uma investigação em Angola sobre os factos denunciados pela consultora. Apesar de termos sido informados sobre o período de férias de Álvaro João, porta-voz da PGR, também disseram que a instituição iria responder à pergunta, o que não aconteceu até ao fecho desta edição.
O Expansão também ouviu dois especialistas nacionais em questões jurídicas, o advogado Vicente Pongolola e o académico António Ventura, e ambos foram taxativos: tendo em conta os factos que foram divulgados pela BCG e pela imprensa, a atitude correcta e mais esperada seria a abertura imediata de uma investigação, que poderia até envolver a troca de informações com a justiça dos EUA.
"Não tenho dúvidas sobre qual devem ser os procedimentos a seguir, mas nós já sabemos como funciona o País e as nossas instituições", disse Vicente Pongolola, que entende que a atitude da PGR é quase sempre marcada pelas pessoas e instituições eventualmente envolvidas nos processos. "É daqui que depois resulta aquela sensação de selectividade e de protecção de algumas figuras", considera Pongolola.
A auto-denúncia da BCG surge na sequência de uma investigação do Departamento de Justiça norte- -americano e, para garantir que o processo não atingisse outras proporções, a consultora admitiu as más práticas e tornou-se numa espécie de delatora premiada. Para resolver o problema, aceitou pagar uma multa de 14,4 milhões USD, equivalente aos lucros obtidos com os contratos ganhos em Angola.
Os subornos, que variavam entre 20% e 35% do valor dos contratos, foram pagos a um agente externo com fortes ligações às autoridades angolanas.
O Departamento de Justiça dos EUA revelou também que funcionários da BCG em Portugal tomaram medidas deliberadas para encobrir a verdadeira natureza dos pagamentos e do trabalho realizado pelo agente. Estas acções incluíram a retroactividade de contratos e a falsificação de documentos que alegadamente justificavam os serviços prestados.
Apesar das evidências de que a BCG violou a lei de Práticas de Corrupção no Estrangeiro (Foreign Corrupt Practices Act), o Departamento de Justiça dos EUA não avançou com acusações criminais contra a empresa, baseando a decisão no facto de a consultora ter reportado voluntariamente as suas condutas ilícitas às autoridades, além de ter cooperado integralmente com a investigação.
A BCG também garantiu que tomou medidas internas rigorosas, despedindo os funcionários envolvidos no esquema de subornos e fechando o seu escritório em Luanda.
No entanto, os contratos de consultoria em geral, mas sobretudo em jurisdições com sistemas legais e instituições mais frágeis, levantam inúmeras suspeitas relacionadas com corrupção, pagamentos irregulares, tráfico de influências e branqueamento de capitais.
Apesar do acordo com a empresa, o Departamento de Justiça dos EUA reservou o direito de reabrir a investigação contra a BCG caso surjam novas informações relevantes. Também continua em aberto a possibilidade de serem instruídos processos criminais contra indivíduos envolvidos neste esquema aplicado em Angola.