Autor do livro “A Revolução Angolana no Século XXI”, que chega quinta-feira às livrarias portuguesas, Ruy Llera Blanes apresenta um estudo sobre a democracia e as suas condicionantes numa Angola pós‑independência, em que o eixo central é a emergência, em 2011, do movimento conhecido em Angola como “Revú”.
Em declarações à agência Lusa, o investigador considera que a forma como o regime angolano abordou a contestação dos “revús” expõe “a qualidade da democracia num país, pelo menos num país como Angola, que se define como uma democracia social”.
“Ver aquele nível de violência, percebe-se que há aqui um problema, um problema a nível de poder, sobretudo quando é um regime que se autointitula democrático, que não sabe lidar com essa diferença”, acrescenta.
A contestação serviu para o regime, então liderado pelo Presidente José Eduardo dos Santos, testar a reação à mobilização da sociedade civil, culminando no chamado “Processo 15+2”, em que um grupo de ativistas foi detido e acusado de tentativa de golpe de Estado.
Questionado sobre se a emergência dos “revús” surgiu em resposta à falta de eficácia do combate político dos partidos de oposição, Llera Blanes responde que reflete “uma insatisfação bastante grande em relação à ação dos partidos e, em particular, do partido em situação de governação ou de poder”.
“Acho que reflete sim, uma insatisfação em relação à forma como se faz a participação política no país e também o resultado das reformas constitucionais que tiveram lugar em 2010 e, como tal, no fundo, esse movimento também foi, de certa forma, uma tentativa, um teste para perceber até que ponto é que, ou de que forma, é que é possível haver uma sociedade civil politicamente ativa no país, com as consequências que conhecemos”, acrescenta.
Com taxas de desemprego que frustram as expetativas de uma população maioritariamente jovem, a falta de equidade na distribuição da riqueza num país que apostou no extrativismo de hidrocarbonetos e continua sem diversificar a sua economia, a contestação dos “revús” “é quase um grito de desespero”, defende.
“Nas análises que se fazem é preciso ter em conta que este movimento é de certa forma transversal, ou seja, congrega juventude tanto, digamos assim, de alguma capacidade ou com algum conforto económico, mas também congrega, e isso é o mais inédito, uma juventude bastante marginalizada do ponto de vista social e económico, aquela juventude dos musseques. E nesse sentido é sim, é um grito de desespero”, detalha.
A José Eduardo dos Santos sucedeu João Lourenço, que abriu as portas do Palácio Presidencial aos ativistas para ouvir as suas queixas.
“Realmente verificou-se uma abertura à sociedade civil, relevante e inédita, sobretudo em contraste com o que vinha acontecendo nos últimos anos de José Eduardo dos Santos. Mas não se traduziu em mudanças efetivas”, levando a que fosse considerada uma encenação.
“Mas depois há também a incapacidade ou falta de vontade política por parte de João Lourenço em mudar as coisas, tendo em conta que é líder de um partido com uma dinâmica muito própria e de onde resulta difícil poder fazer ruturas efetivas com o passado”, adianta.
Llera Blanes invoca “as relações de poder que existem no seio do próprio partido [MPLA]”.
Isso traduz-se um pouco na ideia de que João Lourenço, “para se agarrar ao poder, acaba por ter que fazer concessões a quem tem efetivamente poder político, económico e, nesse sentido, as exigências dos ‘revús’ acabam por ser menos relevantes”.
Llera Blanes explica que este livro “é um pretexto interessante para perceber qual é que é a saúde democrática do país. E até que ponto é que o país, o regime, aceita ou não um discurso sobre a mudança ou a transformação”.
“Eu usei um pouco esse conceito no livro também um pouco para jogar com aquilo que foi a narrativa de construção da nação angolana, muito guiada em torno desses conceitos de revolução socialista”, salienta.
Quanto aos “revús”, Llera Blanes identifica vias muito diferentes: “os que defendem uma transformação mais radical” e outros que defendem “linhas mais concretas de ação e de transformação”.
Formado em Antropologia, Ruy Llera Blanes é investigador do CRIA – Centro em Rede de Investigação em Antropologia, no ISCTE‑IUL, e do laboratório In2Past.
A “Revolução Angolana no Século XXI”, editado pela Tinta da China, chega quinta-feira às livrarias e o lançamento formal será feito em Lisboa na primeira semana de dezembro.