O Presidente da República duplicou o valor do subsídio de fim de mandato pago aos ex-Presidentes angolanos. Mas por outro lado, cortou-lhes algumas regalias ao nível da segurança e pessoal de apoio. O argumento para tal mudança é a necessidade de "conferir o tratamento mais adequado e condigno aos antigos presidentes e antigos vice-presidentes da República", segundo o decreto-presidencial 32/20.
Esta medida de João Lourenço acontece numa altura em que as suas relações com o único ex-Presidente vivo, José Eduardo dos Santos, que vive atualmente em Barcelona, Espanha, não dão sinais de serem das melhores.
A DW África entrevistou o jurista e analista angolano Pedro Karapakata sobre esta decisão, numa altura de aparente tensão e em que se espera que José Eduardo dos Santos volte a Angola, para ajudar a esclarecer casos que estão atualmente em tribunal.
DW África: Será o gesto de João Lourenço uma iniciativa de encorajamento para o regresso de José Eduardo dos Santos, que se encontra na Espanha, e uma demonstração de boas intenções?
Pedro Karapakata (PK): Em princípio, nego a existência da tal tensão entre a família de José Eduardo dos Santos e o Presidente atual. Isto é apenas um expediente político para dividir as pessoas. Não há nada a ocorrer que seja anormal entre as partes citadas. Estão em sintonia e estão a trabalhar naturalmente.
DW África: Mas neste momento em que se vive esta aparente tensão e que José Eduardo dos Santos e boa parte dos seus filhos estão fora de Angola, em que se espera que José Eduardo dos Santos volte até para ajudar a esclarecer alguns casos, como é que pode ser visto esta decisão neste momento particular?
PK: O ex-Presidente José Eduardo dos Santos e os seus filhos estão fora como estão os demais cidadãos angolanos que têm fortunas. Porque cá só estão as pessoas de uma forma ou outra menos afortunadas. Agora, se há esse aumento de dinheiros para esta ou aquela figura, eu acho que isso é o mais natural entre os africanos, porque em tempos também um Presidente de um país avançou como condição para sair do poder um estatuto especial em termos de benefícios económicos. E o mesmo aconteceu mesmo antes da saída de Eduardo dos Santos, que avançou com um estatuto especial em termos de garantias económicas. E acho que é mais um expediente que ocorre entre os africanos, de querer ficar de uma forma confortável do ponto de vista material. Não vejo nada de estranho nisso.
DW África: Certa imprensa afirma que João Lourenço teria enviado um emissário a Barcelona para tentar convencer José Eduardo dos Santos a regressar ao seu país. E acredita-se que a Justiça do Mónaco esteja a preparar uma ação contra a sua família, tal como a justiça norte-americana. Não seria de todo descabido uma iniciativa destas do lado do Presidente da República?
PK: Não, isso pode não ser uma iniciativa descabida. Se a família do ex-Presidente José Eduardo dos Santos ou ele próprio correrem o risco de serem demandados por qualquer órgão da Justiça, até um órgão americano, não tenho a mínima dúvida que se o Presidente João Lourenço tomar conhecimento desse facto, entrará em contacto directo com o Presidente cessante, não irá mandar mensagem, no sentido de aconselhá-lo para vir para cá. Porque estando cá, é como se estivesse num túnel, com toda a proteção necessária. Isto pode ocorrer. Mas afasto a questão do emissário, porque há outros meios para eles contactarem e para entrarem em contacto e até deslocações de angolanos para a Europa. A família de Eduardo dos Santos e ele próprio estando na Europa não creio que estejam seguros.
DW África: O Presidente da República decidiu também reduzir as regalias dos ex-estadistas. Este é mais um sinal de combate ao despesismo por parte de João Lourenço?
PK: Isto é um mero expediente político. Não se trata de reduzir, isso é mentira. Tanto é assim que o atual Presidente, João Lourenço, continua a praticar atos de esbanjamento. Há cerca de três ou quatro dias, praticou um desses atos, portanto foi a um espaço a que proferiu e só para mobilar umas duas torres foram logo cerca nove milhões de dólares. Ora, este ato é de puro esbanjamento, num país onde há carências de tudo. Portanto, isso não é verdade. Trata-se de diminuir de um lado, mas aumentar de outro. DW África