"Para nós, MPLA, essa altura não foi a melhor porque estávamos num processo, por um lado, de reestruturação, mas também de muitas divisões internas, que depois do 25 de Abril se agravaram", disse à agência Lusa Pepetela, que na altura era responsável pelo maior centro escolar dos guerrilheiros angolanos, na frente leste.
As divisões, explicou, tinham uma razão de ser: "começa a aparecer um espetro no horizonte que antes não nos preocupava e que é o poder. A possibilidade de haver uma independência e quem vai ficar com o poder".
"Nesse aspeto, agravou as rivalidades, as lutas internas", frisou.
Nascido em 1941, em Benguela, litoral centro de Angola, Pepetela recebeu em 1997 o Prémio Camões, o mais importante galardão literário para escritores de língua portuguesa, e tornou-se, com a independência da Angola em 1975, vice-ministro da Educação no governo do Presidente Agostinho Neto.
Manteve-se no cargo ao longo de sete anos, e aposentou-se em 1982, para se dedicar só à escrita.
Colocado na frente leste desde 1971, Pepetela testemunhou as contradições no seio do MPLA, os efeitos que o 25 de Abril e a proximidade do exercício de poder tiveram nas estruturas do movimento guerrilheiro e, sobretudo, a desconfiança relativamente ao que estava a acontecer em Portugal.
"Quando cheguei à frente leste, ainda nós estávamos na fase boa. Eu apanhei o princípio da fase má", recordou.
E a fase má, referiu, foi marcada pela introdução pelo exército colonial de helicópteros e agentes químicos.
"Tinha havido uma introdução maciça de helicópteros, também de exfoliantes, e a mandioca morria. Sem mandioca, a população fugia para onde havia comida e se a população fugia, os guerrilheiros também não se aguentavam muito tempo", explicou.
O reforço do apoio sul-africano às operações militares portuguesas, com cobertura aérea, foi determinante, segundo Pepetela.
Esse foi o começo da "fase má", a que se juntou a divisão entre os nacionalistas angolanos: "Dos três movimentos, havia dois que não se entendiam mesmo e que eram a Frente Nacional de Libertação de Angola [FNLA] e o MPLA".
"Quando as coisas não correm bem há sempre problemas. E num país em que há enormes diferenciações geográficas, culturais, de estatuto, é óbvio que se as coisas não correm bem têm que se encontrar culpados, que podem ser, na sociedade tradicional, um mais velho que faz feitiço, e começam as divisões e isso corresponde a 1971", destacou.
Um ano depois, as divisões cristalizam no que virá a ser conhecida como a Revolta do Leste, posteriormente liderada por Daniel Chipenda, um dos "grandes dirigentes do MPLA", como o caracterizou Pepetela.
A divisão no seio do MPLA teve como resultado que esse movimento tenha sido o último a assinar o cessar-fogo com as novas autoridades portuguesas.
"Porque estávamos divididos. Primeiro, foi preciso fazer um congresso, tentar minimamente arrumar a casa", explicou.
Entretanto, surgiu uma nova linha de divisão dentro do MPLA, a chamada Revolta Ativa.
"É uma situação muito complicada. Nós até queríamos assinar um cessar-fogo, mas não podíamos garantir que todos os grupos cessariam fogo. Era uma situação perigosa", acrescentou.
Apenas quando foi possível garantir que, do ponto de vista militar, a situação estava controlada, quer no leste quer em Cabinda, é que foi possível assinar o cessar-fogo, quase seis meses depois do 25 de Abril.
Angola tornou-se independente a 11 de novembro de 1975, mas sofreu uma guerra civil que só terminou em 2002, com dois curtos períodos de paz resultantes dos acordos de Bicesse (1991) e de Lusaca (1994).
LUSA