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Segunda, 22 Agosto 2016 14:34

MPLA cada vez mais marcado pela surdez, arrogância, intolerância e abusos de poder

A tão esperada moção do líder foi, como muitos suspeitavam, a grande estrela do congresso, tendo estado à altura das expectativas. Com toda a legitimidade e razão, muitos críticos colocaram dúvidas sobre os princípios que seriam defendidos por este MPLA, cada vez mais marcado pela surdez, arrogância, intolerância e abusos de poder.

Por Ismael Mateus | NJ

Muitos deles têm sido marginalizados e insultados publicamente por alegadamente não destacarem as vitórias, o rumo certo do país ou os esforços do Executivo. Na base da prática, residia uma compreensível dúvida em saber se esse radicalismo que vemos todos os dias nos porta-vozes do partido no poder prevaleceria sobre uma certa moderação e sobre os apelos ao diálogo construtivo, ao reconhecimento dos erros e das críticas.

Nesse sentido a moção do líder, sobretudo a parte referente à reforma do Estado, revelou-se uma resposta que se alinha com as principais críticas feitas ao MPLA, nomeadamente a necessidade de abandono da lógica intervencionista do Estado (em que o Estado vende no mercado informal, gere negócios que deveriam ser privados e tem empresas públicas de prestação de serviços) em favor de um Estado regulador, coordenador e fomentador do desenvolvimento; a necessidade de busca de consensos políticos essenciais ao Estado (em detrimento da lógica do maioritário que manda, pode e faz) e de tornar o Estado e a administração pública mais inclusivos, ao contrário da lógica partidarizante vigente ou a promoção do mérito, da competência e das carreiras profissionais em vez da bajulocracia instalada.

Qualquer pessoa de bom senso assina por baixo as ideias avançadas por Carlos Feijó e consegue ver nelas uma evolução do pensamento do MPLA sobretudo na ideia de que o país é um bem comum a todos os angolanos e se torna importante que os cidadãos participem da sua gestão mas também que nas questões estratégicas prevaleça sempre o consenso entre os actores políticos e não o “posso e mando”. 

Portanto, apesar da desilusão da composição do comité central que inclui jovens e velhos que não trazem uma visão moderna do partido e do Estado, a moção do líder renovou as esperanças dos militantes e de parte da sociedade. 

No entanto, uma moção do congresso não é um programa de governo. Uma moção apresenta os princípios gerais e depois um programa de governo detalha em função desses princípios, as acções concretas a realizar. 

Ao nível dos princípios, e esse nunca foi verdadeiramente um problema do MPLA, existe um renovar da esperança e uma avaliação positiva sobre esta moção mas todos nós nos lembramos de 2012, em que essa mesma receita foi usada. 

Na altura houve um renovar da esperança com bons princípios, boas ideias e depois, a começar pelo elenco governativo formado depois das eleições, a implementação dos projectos foi um descalabro. 

Estamos a um ano das eleições e num clima de grande saturação pelos erros de governação. 

Dentro de uma semana já ninguém se lembrará da moção do líder e a vida, o dia-a-dia, voltarão ao normal. E, a menos que se faça alguma coisa palpável, concreta, visível, tudo, todos os erros, todos os vícios e males do dia-a-dia voltarão a ser cometidos dentro de uma semana. 

Aliás começa já neste fim-de-semana, em que se vai retomar a romaria e o beija-mão a propósito do aniversário do presidente JES. Os governadores continuarão a demitir e a nomear pessoas sem qualquer mérito reconhecido, os embaixadores continuarão a ser um refúgio dos caídos e dos indesejados, a lista de deputados vai continuar a acomodar interesses que não se guiam pelo mérito; a filiação partidária continuará a ser determinante para as empresas públicas e a administração pública continuará a não fazer o mínimo esforço para ser eficaz; e o governo continuará a ser gordo e anafado apesar da crise. 

A aplaudida moção ficará obviamente no plano das intenções como a de 2012, se não houver efectivamente uma vontade política para realizar esses propósitos. Depois do sinal de confiança dado em 2012, agora é como São Tomé: ver para crer. Cabe ao MPLA dar passos concretos que se articulem com as boas intenções que subscrevemos. 

Há necessidade de um plano de acções imediatas que mostre ao cidadão que, desta vez, ao contrário de 2012, as promessas de apoio aos mais necessitados, de realização de autarquias e de combate à corrupção não fiquem na gaveta logo depois de conhecidos os resultados eleitorais. Este é o maior dilema do MPLA neste momento: convencer as pessoas que desta vez as promessas são para valer. 

Não ter havido na moção uma palavra sobre a corrupção endémica, é um sinal gravíssimo de que tudo pode não passar de postulados políticos com os quais estamos de acordo, mas na prática nada aconteça verdadeiramente. A desconfiança é ainda mais acrescida com as dúvidas sobre a palavra de honra do próprio presidente. Ao afirmar que sairá de cena em 2018 o presidente coloca pela segunda vez a sua palavra sob escrutínio. 

A opção do MPLA de não esclarecer se o Eng.º JES vai ou não a votos vez a sua palavra sob escrutínio. A opção do MPLA de não esclarecer se o Eng.º JES vai ou não a votos como candidato número 1 da lista, é um jogo táctico que pode ter custos políticos elevados porque mina a confiança, alimenta a dúvida, gera a incerteza. As eleições ganham-se com confiança e não com boas ideias e incertezas. Pelo contrário, as dúvidas e incertezas favorecem a abstenção e o grupo de indecisos. 

O próprio presidente JES reconheceu que o MPLA tem boas ideias mas tem problemas de rigor e disciplina na sua implementação. Essa declaração que provocou uma explosão de aplausos no congresso, é na verdade um pau de dois bicos. Se por um lado revela a aceitação do MPLA às críticas que lhe vem sendo feitas, por um lado coloca sobre ele a responsabilidade de provar que vai ter, se vencer, uma actuação diferente. 

A aplaudida moção do líder representa uma etapa ganha. Ou seja o congresso fez o seu trabalho, agora cabe à nova direcção chamar os bois pelos nomes e mudar os procedimentos e práticas, demonstrar vontade política real para os avanços e reformas previstas na moção… Já se fala na queda de dois ou três ministros, mas isso serão meros peões e meros paliativos. 

Para a gravidade dos nossos problemas, três ministros em mais de 30 é mera “mise-en-scène”. O MPLA precisa de muito mais: precisa de uma acção de grande efeito e que represente um corte com o passado.

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