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Quarta, 03 Agosto 2016 20:18

As verdades que ninguém quer ver - Belarmino Van-Dúnem

Quando a verdade é ofuscada pela mentira e a maioria segue meias verdades acontece uma inversão dos factos e as mentiras tornam-se verdade, fazendo a verdade em mentira. Assim fica apagada toda memória colectiva e passamos a viver no casulo do momento actual. A crise estruturante que assola o país é acolhida como o fim em si, sem lembrar que os momentos mais difíceis que já vivemos foram priores.

1. Mas esta é uma verdade que a poucos interessa.

Há poucos anos atrás, um número significativo de cidadãos nacionais e estrangeiros irrompiam pelo mundo afora com os bolsos abarrotados de divisas, fugindo ao sistema bancário, exibindo adornos e no regresso faziam rebentar pelas costuras malas das mais variadas marcas.

2. Mas esta é uma verdade que a mentira transforma à sua imagem e semelhança.

Nos últimos dez anos, vezes sem conta, Angola foi classificada pelas instituições internacionais como um país de excepção, cujo crescimento estava ajustado aos investimentos que se estava a fazer na base para a industrialização. Fez-se a recuperação das infra-estruturas, os portos e aeroportos foram reabilitados e construídos de raiz, os angolanos passavam pela África e pelo mundo com a sua “peculiar banga”, orgulhosamente declaravam a sua proveniência.

Houve uma gestão comum das benesses do “Boom” que o petróleo deu, embora cada um à sua medida e possibilidade como em tudo na vida. Mas hoje apenas uns são responsáveis, a maioria está do lado mais fácil, e critica sem apontar soluções.

3. Esta verdade deixou de existir, substituída pela mentira dos premonitores da desgraça que anunciam sem dor nem piedade um futuro pouco desejado.

Uma prol de cidadãos nacionais, coadjuvados por grupos de interesse bem identificados, desfilam pelo mundo sem propor alternativas e, como aqueles que se auto atribuem medalhas, atiram-se para o centro. Com um discurso rebuscado, sem grande jeito para a governação, vendem uma imagem rústica do país, quando eles próprios constituem fruto do desenvolvimento alcançado.

4. Esta é a verdade que não interessa agora debater porque poucos querem ouvir ou saber.

O léxico para o debate ficou arredondado, entre a hipérbole e a ambiguidade em que um exército de jovens é levado a rotular outros cidadãos sem pesar o seu próprio quilate. Assim, protegidos pela cortina das redes sociais, anónimos debitam reclamações que não estão à altura de cumprir. A democracia deixou de ser o poder do povo para passar a ser o desejo de um grupelho de visionários que reinventa o conceito para se conformar ao seu próprio desejo.

5. Está verdade passou a ser incómoda até para os mais frívolos defensores do desenvolvimento da democracia. Portanto a maioria vai fingindo que assim o combate político vai bem.

O que poucos ainda tardam em despertar é para o facto de estarmos a caminho da divisão da Nação que foi construída com muitos sacrifícios. Os promotores dessa divisão estão na bancada principal dando instruções e, como não poderia deixar de ser, aproveitando-se da situação. 

Há necessidade de lembrar que a forma mais simplificada que os países chamados desenvolvidos usam para manter o seu domínio é menosprezar a nossa cultura, criando uma espécie de desencanto por tudo que existe. Assim, tudo que há e que vem de lá é muito bom, mas daqui nada é bom e o que for deve ser questionado e se possível encontrar os aspectos negativos que ofusquem o brilho do positivo.

6. Esta verdade é tão óbvia que mesmo sabendo, para muitos o melhor é ignorá-la para continuar no activo numa sociedade onde há necessidade de um trabalho contínuo para a consolidação da paz e da reconciliação nacional. Portanto a verdade deixou de ter importância e todos estão obrigados a viver de meias verdades.

Enquanto passa e vende-se a ideia de que estamos no pior dos mundos, todos os dias, centenas de expatriados desembarcam nas mais diferentes condições, facto que desanuvia a tensão e o desemprego nos seus países de origem. Mas o mais notório e lamentável é a condição de exportador de emprego e são esses chamados assessores cujo curriculum é aprumado com o chamado MBA (Master of Business Administration) feito em poucos meses. O resultado do trabalho prestado só fica à vista de todos quando as empresas vão à falência. 

A culpa é sempre nossa, os quadros nacionais que, apesar de termos frequentado as mesmas escolas do Ocidente, auferimos os conhecimentos e sermos portadores dos respectivos Certificados, somos obrigados a aceitar que o expatriado exiba a sua inexperiência com maiores vantagens salariais e materiais.

7. Esta verdade, consentida por todos nós, é muito discutida mas pouco trabalhada. Se contínua a ser verdade que muitos concidadãos insistem em fazer vista grossa às capacidades dos quadros nacionais, não é menos verdade que o sistema de cooperação internacional está ancorado na filosofia da Economia Dissipativa “um tipo de economia local (cujo sector moderno quase nada produz de forma independente) para a qual são canalizados recursos externos que ali são dissipados – desperdiçados, afundados, dissolvidos no nada” (Urich Schiefer 1999). Portanto, a maior parte dos recursos enviados do Ocidente em forma de cooperação acaba por retornar à origem em forma de salário, arrendamentos de luxuosos apartamentos e vivendas nas zonas mais nobres, viaturas todo terreno, compra de materiais nos seus próprios países e nos banquetes de fim-de-semana que os voluntários, verdadeiros Lordes em África, usufruem em nome da importação de valores que aprofundam os problemas já existentes. 

Assim vamos nós com a esperança em dias melhores porque, no fim do final, ficamos todos com os nossos próprios dilemas e seremos nós a resolvê-los tal como a nossa história recente nos ensinou: Entre irmãos, se houver boa vontade e determinação tudo se resolve.

JA

 

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