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Domingo, 17 Julho 2016 11:41

Mentiras sem hierarquias

Uma MENTIRA repetida muitas vezes passa por verdade. Este era o "leit-motiv" de Joseph Goebbels, Ministro da Propaganda de Hitler. Na forma do Estado-Nação, existem MENTIRAS que funcionam como mitos da fundação.

Crónica de Gustavo Costa | Novo Jornal

Já Marx (Karl) não andava longe da verdade quando classificou a ideologia como consciência falsa, passando as MENTIRAS, aqui sem quaisquer hierarquias, a serem reflectidas no espelho côncavo das imagens distorcidas da realidade. Como se seguem, são o nosso colar de pérolas falsas...

Assim, quando o juiz do Tribunal Provincial de Luanda, Januário Domingos de sua famosa graça, acusou os "15+2" de estarem envolvidos numa tentativa de golpe de estado contra Eduardo dos Santos, na parada militar surgiram logo reputadas "testemunhas de jeová" que, diante da guilhotina, juraram, a pés juntos, dispor de provas irrefutáveis de que a nação, perdida, estava diante de uma nova horda de golpistas. Um ano depois, desqualificados na sua paranóia, esses militantes "anti-golpistas" não sabem agora como se livrar da sua vergonhosa MENTIRA...

Quando olhamos para o ideário dos nossos partidos políticos, ficamos, desde logo, convencidos de que nas suas fileiras perfilam-se acérrimos combatentes do nepotismo, intrépidos opositores do tribalismo e implacáveis adversários do racismo. Nada mais ilusório.

Por detrás das suas preconceituosas persianas, sob o guarda-chuva da tribo, da raça ou do grau de parentesco de quem usa e abusa do poder da governação, assistimos à protecção e promoção social e profissional de gente impreparada e oportunista que, sorridentemente, não se importa de abraçar, gloriosa, a sua própria MENTIRA.

Quando ligado às máquinas, fomos a correr até Washington bater à porta do FMI para solicitar apoio técnico e financeiro, bem nos avisaram, que haveríamos de dar o dito pelo maldito. Almofadados na perspectiva da recuperação do preço do barril do petróleo, mandámos passear o FMI.

Com medo que os peritos deste organismo, ao vasculhar as contas públicas, vissem o estado em que estão as nossas cuecas, o que, afinal, fizemos com essa fuga para a frente, foi almofadar a crise numa MENTIRA rota.

Quando os detractores da nossa economia "caluniaram" Angola, dizendo que havíamos raspado o fundo do tacho e que, agora, não temos um tostão para mandar cantar um ceguinho, se calhar estávamos a ser vítimas de uma grosseira mentira.

Como se vê agora, com os cofres cheios a canalizarem dinheiro para outras prioridades, que não passam pela agricultura porque, nesta matéria, somos auto-suficientes; nem pelo ensino porque, neste aspecto, já atingimos a excelência e, muito menos pela saúde porque, neste domínio, a nossa prestação de serviços hospitalares é tão eficiente, que até já acudimos pacientes oriundos de outros países...

E uma das novas prioridades, como está visto agora, passa pela construção de um moderno estádio de futebol no Sambizanga. Quem disse, pois, que Angola não tinha dinheiro para assegurar a exportação de "novos talentos" e, desta forma, robustecer a economia, MENTIU!

Quando nos lançámos à estrada para erguer a Zona Económica Especial de Viana, demos a conhecer ao mundo que erigíamos ali um modelo de organização empresarial eficiente, rentável e exemplar em África.

O que jaz ali hoje não passa de um amontoado de fábricas obsoletas, algumas das quais encaixotadas há anos, que consumiram aos cofres do Estado mais de mil milhões de dólares. O que jaz ali é uma industrial MENTIRA!

Num século, que não é este, quando Salazar se impôs como agente providencial sem cuja afirmação no centro, o regime em Portugal desabaria, todos os que o rodeavam, bateram palmas e, em uníssimo, proclamaram que a sua eternização no poder era inevitável. MENTIRA!

Quando os líderes da extrema-direita portuguesa pretenderam assumir a descolonização como uma fatalidade, que conduziria à extinção de Angola, os seus seguidores também aplaudiram essa falsidade e garantiram que estavam do lado certo da história. MENTIRA!

Quando, em vésperas da Independência, o MPLA acusou, gratuitamente, a FNLA de comer corações, (quase) toda a gente, naquela altura, acreditou nessa monstruosidade propagandística. Nada mais do que mais uma hedionda MENTIRA!

A atribuição ao movimento de Holden Roberto da colocação de uma bomba, que haveria de despedaçar parte das instalações do então jornal "A Província de Angola" em vésperas da Independência, chegou a ser assumida como uma verdade histórica. A manipulação da propaganda escondia, aqui, outra MENTIRA!

Em 1976, no auge do extremismo revolucionário, foram promovidas as famigeradas "eleições" para os órgãos do poder popular. Organizadas num contexto de imposição de um pensamento único e de pura exclusão do "Outro", nesse "escrutínio", só cabiam os militantes do MPLA. Nascia, assim, em fraude viva, uma eleitoral MENTIRA!

Quando Nito Alves, líder populista de uma facção dissidente do MPLA, no fervor da sua estreiteza nacionalista, defendeu a criação de uma sociedade sem classes, os seus fiéis acreditavam, cegamente, nesse sonho. Todos fingiam não saber que esse sonho, afinal, não passava de uma MENTIRA!

Quando, logo a seguir ao rescaldo da sangrenta refrega nitista, Agostinho Neto apressou-se a proclamar o "socialismo científico" como objectivo estratégico do programa do MPLA, ignorámos que essa cómica opção degeneraria na explosão de uma nova vaga de volumosas partículas de MENTIRA!

Quando os americanos decidiram isolar o governo do MPLA e apoiar Jonas Savimbi e a UNITA e se convenceram de que essa sua decisão evitaria que o poder em Angola caísse no colo dos cubanos e ficasse sob a órbitra da influência soviética, estavam a lavrar numa anticomunista MENTIRA!

Quando, no passado, o regime sul-africano foi intimado pela comunidade internacional a abandonar o apartheid e a entregar o poder à maioria negra, os seus fanáticos adeptos eriçaram os cabelos, cerraram os dentes e convenceram-se de que o império calvinista era imbatível. MENTIRA!

Quando o MPLA denunciou a tentativa de balcanização de Angola por parte de Savimbi, dividindo o país em Angola do norte e Angola do sul, a UNITA disse que isso não era verdade, mas o certo é que toda a gente sabia que essa envergonhada negação transportava no dorso uma assassina MENTIRA!

Em 1992, depois da denúncia da comunidade internacional do assassinato de Tito Chingunji e Wilson dos Santos, Norberto de Castro, na pele do "comediante" iraquiano, Saeed Al-Sadaf, Ministro da Informação de Saddam Hussein, garantia, ao céu e à terra, que estes gozavam de boa saúde. Que mortífera MENTIRA!

Em 2008, ao Presidente foi assegurado o impossível: a construção de 1 milhão de casas até 2012. Três anos depois, veio-se a concluir que tudo o que haviam garantido ao Presidente era (mais) uma MENTIRA!

Quando se erigiu o projecto Aldeia Nova, muitos especialistas advertiram o governo para a "criminosa" asneira em que incorria, mas os nossos governantes fizeram ouvidos de mercador a essas advertências. Haviam-lhes sido dadas garantias de que os israelitas fariam da antiga Cela um paraíso agrícola.

Acreditaram que seria possível erguer aqui um império moderno, maior e mais avançado que o melhor dos kibutz. Anos depois, vergaram-se à israelita MENTIRA!

Quando Mobutu, aqui ao lado, encarnou a velha máxima de Louis XIV, "L"Éta C"est Moi", o séquito que o idolatrava julgava que o poder do "Leopardo" era interminável. MENTIRA!

Na antiga Mesopotâmia, um criminoso aventureiro norte-americano, de nome próprio George W. Bush, apoiado pelo obsessivo seguidista Toni Blair, mentindo ao mundo, descobriu que Saddam Hussein escondia armas químicas. Desencadeando uma brutal invasão, desmembrou o Iraque e destruiu um dos berços da civilização. Por causa de uma atómica MENTIRA!

Quando nos confrontamos com o poder arregimentado ao redor de muitos políticos, que lá permanecem uma vida inteira, acreditamos que eles são deuses que herdam uma vasta doutrina. Na maioria dos casos, isso é outra MENTIRA!

Tudo isso poderia ser MENTIRA, mas a verdade é que é mesmo verdade! Porque a verdade neste nosso mundo é, muitas vezes, o espelho da MENTIRA.

É essa MENTIRA que - como escreveu Leys, pseudónimo do belga Pierre Ryekmans, um eminente sinólogo do passado - faz com que os rodeantes pensem que "o Líder Máximo tem sempre razão; mesmo quando se engana, (o líder) engana-se no bom momento, de modo que tem razão em se enganar; o inimigo, pelo contrário, mesmo quando tem razão, tem razão no mau momento, o que faz com que se engane ao ter razão".

MENTIRA!... ¦

 

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