Sexta, 03 de Mai de 2024
Follow Us

Terça, 12 Julho 2016 15:51

As ossadas da Paz e da Reconciliação Nacional

Angola, tal como dezenas de países no mundo que experimentaram largos anos de conflito civil, tem um legado que devia servir de grande lição para que nunca mais se pudesse ouvir no país que um cidadão nacional ou estrangeiro tenha sido morto por professar um credo religioso diferente do seu irmão, ou então por ter optado por uma filiação político-partidária mais guinada à esquerda ou mais à direita, ainda que o exercício da política em Angola se não vista convenientemente com base em trajes ideologicamente bem definidos.

Por Nok Nogueira | NJ

Há, na verdade, um exercício da política pela política, incorporado na ideia do poder pelo poder, às vezes às cegas, que chega a dar a sensação de não olhar para meios quando se quer atingir determinados fins; onde os órgãos de segurança e da ordem acabam por estar ao serviço do partido do poder que estabelece regras e dita a nota com que se deve entoar o mantra; um poder político que vezes sem conta deu brechas à devassidão no exercício governativo, penalizando o erário público, que saiu amplamente prejudicado sem que ninguém, criminalmente, tivesse sido responsabilizado pelas consequências dos actos cometidos.

Com efeito, nem mesmo a Lei da Probidade Pública e o alarde da tolerância zero decretada no calor pré-eleitoral de 2012 foram capazes de "partir os dentes" à corrupção e à gestão danosa. Resultado: Temos hoje um país irreconhecivelmente chamuscado, sem moral para olhar para as estatísticas que enchiam de orgulho as páginas dos jornais como a economia que mais crescia no mundo, que se deu inclusivamente ao luxo de gastar milhões e milhões de dólares na construção de estádios de futebol e pavilhões de basquetebol e hóquei e etc., etc., (nada contra, claro está!) e não se lembrou de que era necessário diversificar a economia. Mas isso são outros carnavais!

Voltemos à questão do conflito armado e ao legado para o país! Incomoda-nos solenemente perceber que a pouco menos de um ano e poucos meses da realização das eleições gerais se agigante, em tom perturbador e impune, a problemática da intolerância política, sem que politicamente alguém venha a assumir a responsabilidade de querer estancar o fenómeno, já que o Parlamento, órgão que devia ter esta preocupação de lidar com a forma como é materializado o exercício político-partidário, ignora soberanamente!

O que se assiste hoje um pouco por todo o país, com a conivência dos partidos políticos todos, sem excepção, é prova mais que evidente de que temos uma classe política acobardada, por um lado, que não aprendeu as lições da história do país, e, por outro, uma classe política intolerante, a quem não interessa impedir o surgimento de mais mortes, mesmo a seguir ao calar das armas que sempre estiveram, todas elas, apontadas para os civis indefesos. Senão vejamos:

Se há uma classe que devia pedir desculpas ao povo angolano esta classe é a política, e as razões são todas elas por ela e por nós sobejamente conhecidas. A chegada dos movimentos políticos a Angola após o 25 de Abril criou uma dissensão social com base em critérios que minaram a sã convivência no país, dividindo-nos como angolanos! Passamos a ser conhecidos por via da nossa origem tribal: os

Kimbundu ligados ao MPLA, os Ovimbundu à UNITA e os Bakongo à FNLA.

Estranhamente, desde 2011, quando começaram a ganhar corpo alguns movimentos cívicos, sobretudo alimentados por jovens conhecidos posteriormente por revus, o poder político - vendo-se a braços com o velho problema de lidar com o contraditório de forma aberta sem que este fosse necessariamente o do costume: o partidário - passou a defender-se com expressões como: "inimigos da paz" e passou a dividir os cidadãos entre "aqueles que querem de volta a guerra" e os que "amam" a paz.

Interessa-nos, por ora, só a expressão "inimigos da paz". Primeiro, é preciso lembrar aos políticos, especialmente os que sustentam o poder, que o povo angolano em momento algum declarou guerra a si mesmo. Esta guerra, anulada com o alcance da paz em 2002, serviu de pretexto para defender interesses de alguns que usaram inclusivamente as riquezas do país para a sustentarem, importando armas que dizimaram milhares de civis. Portanto, quando se diz que "o povo deseja a paz e está cansado da guerra" não deixa de ser caricato, porque o povo angolano como tal nunca disse que queria a guerra!

Tal como "a democracia nos foi imposta", a guerra também assim o foi. E os beneficiários dela estão todos aí bem visíveis/transparentes, porque, na verdade, tal como em outras partes do mundo, além de dizimar, as guerras geram riquezas, pelo que não estaríamos a incorrer em erro nenhum se afirmássemos que boa parte dos ricos angolanos o é precisamente como consequência dos ganhos que obteve ao longo de todo o conflito civil; com a venda de diamantes ou simplesmente pelo poder de influência que militarmente teve ou passou a ter!

Importa, pois, apenas lembrar que a responsabilidade de impedir que mais vidas sejam ceifadas é da classe política, que neste momento não se manifesta, e se o faz, fá-lo em defesa ou para acusar. É a classe política que não procura criar uma agenda com todos os partidos com e sem assento parlamentar para abordar este assunto que está a fazer novas ossadas num tempo que vergonhosamente chamam de Paz e de Reconciliação Nacional. Com que moral celebraremos, por exemplo, para o ano, o Dia da Paz e da Reconciliação Nacional, se continuam a morrer cidadãos angolanos por usarem esta ou aquela camisola partidária?!

 

Rate this item
(0 votes)