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Quarta, 25 Novembro 2015 20:10

O endurecimento do regime - Reginaldo Silva

Todos os sinais que têm vindo a ser emitidos nos últimos tempos apontam claramente para um (ainda) maior endurecimento do regime no tratamento/relacionamento com todos quantos, dentro e fora das fronteiras angolanas, estão identificados como  sendo de uma forma ou de outra, mais ou menos críticos em relação ao seu desempenho.

Por Reginaldo Silva

Começaria por  incluir nestes sinais mais recentes a campanha “Justiça sem Pressão”, que marcou o arranque do “processo contra os 15+2” com a organização e realização programada em todo o país de “cirúrgicas”  manifestações destinadas a criar o clima político mais favorável à condenação dos réus.

Simultaneamente pretende-se inibir qualquer tentativa dos partidários dos “révus” de terem alguma iniciativa em sentido contrário na via pública.

Esta cruzada tem chamado a atenção pelo facto das  pessoas mobilizadas para tomarem parte das manifestações, maioritariamente muito jovens, envergarem  camisolas brancas com as referidas palavras de ordem inscritas nas mesmas.

Em nosso entender está-se diante de uma clara tentativa de se distanciar os manifestantes das cores oficiais do patrocinador, sendo compreensível esta nuance.

A ideia é criar-se a ilusão junto da grande opinião pública, ao mesmo tempo que se tenta influenciar a opinião publicada, de que se trata apenas de uma movimentação independente e espontânea de pacíficos cidadãos no exercício dos seus legítimos direitos no quadro da liberdade de expressão.

Se mais dúvidas existissem em relação ao  carácter estratégico desta campanha,  a generosa e exaustiva cobertura com que a mesma tem sido brindada pela comunicação social governamental seria mais do que suficiente para se adicionarem todos os esclarecimentos complementares em relação às suas reais motivações e propósitos no âmbito do visível endurecimento do regime.

O “bilo” entre velhas e novas ONGs angolanas que aconteceu na Gâmbia por ocasião da realização da reunião da Comissão Africana dos Direitos Humanos com a entrada em cena dos “novos defensores” é igualmente um outro sinal convergente deste endurecimento.

O regime angolano parece ter apostado agora em jogar também no “terreno do adversário”,  utilizado os mesmos recursos da sociedade civil que se tem destacado pela defesa dos direitos humanos em Angola através das suas constantes denúncias sobre as violações que se registam no país e que ainda são mais do que muitas para serem consideradas apenas como sendo excessos de zelo localizados ou pontuais.

Claramente, com o lançamento dos “novos defensores”, o  propósito é fazer passar melhor a sua mensagem política junto dos fóruns regionais e internacionais onde se discute regularmente a problemática dos direitos humanos e onde, como se sabe, a imagem do Executivo está  mais danificada.

Na mesma área, mais preocupante do que isto em matéria de endurecimento, pareceu-nos ser o congelamento das contas bancárias de uma conhecida ONG angolana que mais tem assumido a advocacia dos pobres na defesa contra os excessos praticados pelas instituições e pelos “manda-chuvas” nos sucessivos conflitos que se têm registado na província de Benguela.

Uma idêntica acção, com a mesma argumentação administrativa e no mesmo banco, terá bloqueado igualmente as contas de uma outra associação cívica que faz a sua intervenção na área do direito a habitação junto das comunidades pobres de Luanda.

“Last but not least”,  gostaríamos de arrolar para aqui a proibição administrativa que nas últimas 24  horas impediu que o rapper MCK viajasse para o Brasil, tendo-lhe sido comunicado no aeroporto que estava interdito de deixar a capital por “ordens superiores”.

Pelo que julgamos saber, a última vez que Katroji esteve fora do país foi convidado para animar um espectáculo em Lisboa onde dividiu o palco com Barceló de Carvalho (Bonga) numa performance que se destacou pelo tom bastante crítico das letras das músicas que lá foram interpretadas.

Finalmente, considero ter sido um revés politico assinalável o facto da resolução aprovada a semana passada pela Assembleia Nacional de rejeição ao conteúdo da resolução do Parlamento Europeu, por não ter contado com o voto favorável da Oposição angolana.

Deste modo, e com o seu voto contrário aos desígnios da bancada parlamentar do MPLA, que foi a autora da iniciativa, a Oposição  acabou de algum modo por legitimar a abordagem feita em Bruxelas contrariando assim a visão oficial segundo a qual houve uma inadmissível ingerência estrangeira nos assuntos internos do país por parte daquela instância europeia.

A Oposição chegou mesmo a considerar a referida resolução como um gesto de solidariedade internacional para com os angolanos vítimas de violações dos direitos humanos.

A polémica resolução do Parlamento Europeu é considerada já como o mais duro revés político-diplomático sofrido pelo Executivo angolano desde que em 2002 as armas se calaram.

Ela explica em grande medida o relançamento da diplomacia governamental e a contra-ofensiva que se está a verificar agora, tendo sido Washington o palco da sua mais recente intervenção.

Os resultados foram bastante positivos, de acordo com o balanço feito pelo Ministro das Relações Exteriores, George Chicoty, que conduziu a operação no terreno onde, finalmente, se conseguiu encontrar com o Secretario de Estado, John Kerry.

Em termos de consistência, o problema desta ofensiva é que o regime mantém bem aceso um tom de indisfarçável hostilidade em relação ao Ocidente a quem acusa de estar a patrocinar uma suposta estratégia de desestabilização da liderança do Presidente José Eduardo dos Santos com recurso a várias “tácticas primaveris”, sem, contudo, adiantar qualquer informação mais credível que possa sustentar esta abordagem.

Nesta direcção, são particularmente visíveis os pronunciamentos bastante agressivos que se fazem nas “tertúlias” promovidas pela média estatal, onde a tese da existência de uma cabala internacional contra Angola é defendida de forma recorrente pelos comentaristas presentes.

O outro problema desta ofensiva diplomática em termos de eficácia, parece-nos estar relacionado com o relançamento político do eixo Luanda-Moscovo, numa altura em que o Governo angolano tem-se aproximado a olhos vistos das posições que a Rússia defende a nível internacional, tendo esta tendência já ficado bem vincada nas votações feitas no Conselho de Segurança, onde Angola ocupa nesta altura uma cadeira rotativa.

Rede Angola

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