No povoado da Kinanga- Luanda, no Zango 0, no Zango 1 e no Zango 3 agora provincia da Icolo e Bengo há homens, mulheres e crianças que há 12, 16 anos vivem em casas de chapas, estruturas frágeis que mal resistem ao vento, quanto mais à força da chuva. Ali, a privacidade é um luxo distante; o direito à dignidade, constantemente violado. São famílias inteiras vivendo apertadas num espaço que não protege do calor, do frio, nem da vergonha.
Em muitas dessas casas, os casais dividem o mesmo quarto com filhos que já deixaram de ser crianças. A adolescência, fase de descoberta e construção de identidade, torna-se ainda mais difícil quando não há um canto próprio para existir. E, em meio a esse cenário, alguns pais, na tentativa de manter viva a chama da intimidade, encontram brechas quase clandestinas: mandam os filhos comprar sambapitos numa cantina distante, apenas para terem uns poucos minutos de privacidade.
São minutos roubados ao caos. Minutos que não deveriam precisar ser furtados. Porque nenhuma família deveria viver assim. Nenhuma.
A chuva continua a cair sobre Luanda, revelando o que muitos tentam esconder, que não basta construir estradas, erguer muros ou inaugurar obras. É preciso olhar para as pessoas. É preciso, finalmente, tirar essas famílias da condição de abandono que as acompanha há décadas.
Que esta chuva seja mais do que um transtorno. Que seja um chamado à consciência.
Um apelo urgente para que a dignidade volte a ser um direito e não um sonho distante.
Por Rafael Morais

