Sexta, 19 de Setembro de 2025
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Sexta, 19 Setembro 2025 14:57

A ciência e a fome não se dão bem

Tem se tornado cada vez mais comum em Angola, aspirar cargos que possam proporcionar aos cidadãos bem-estar social e financeiro. Nosso esforço constante visa lutar contra o cárcere da pobreza que já noivou a maioria de nós, bem como sair desse estado de indigência a que fomos submetidos pelas más políticas públicas do (des)governo actual.

Segundo os dados do INE (Instituto Nacional de Estatística) de 2020, a taxa de incidência da pobreza multidimensional na área rural (87,8%) era superior a taxa de incidência na área urbana (35,0%).

Por conta disto, originam, por um lado, os estudantes que, amarrando os cintos de modo a encobrir as suas costelas desprovidas de aspecto salutável, estudam o bastante a fim de obterem êxitos quantitativos no mundo académico. E por outro lado, não menos grave, originam os professores que tentando mudar o paradigma de que “educação não dá dinheiro em Angola”, lançam-se, sem o cinto que ao menos os estudantes põem, em direcção galopante à “turbo-docência”, que se objectiva na garimpização do professor em várias escolas de modo com que o bolso não caia na dinâmica da “perda de poder de compra” que os economistas professam ao acusar o (des)governo de má gestão da economia nacional. Essa prática põe em jogo a competência do professor que lhe reduz o tempo de preparação e entrega profissional, bem como dificulta a aprendizagem ou desempenho dos próprios estudantes que terão um professor fantasma em sala de aula, aparecendo de forma repentina como um relâmpago e desaparecendo na mesma velocidade que a luz.

Assim, o mundo académico em Angola se resume no seguinte dilema: alunos que, na sua inocência e porque assim foram habituados — seja pelo sistema de avaliação, ou de qualificação profissional — vejam nas notas, um critério perfeito de excelência acadêmica, endeusando a reprodução fiel e sapiencial dos seus professores nas provas que tentam provar, de forma ocasional, o que foi assimilado em sala de aula. E os professores, marginalizados na sua própria profissão; desamparados pelo OGE Estatal; rotulados como “os profissionais do sacrifício” pelo próprio Ministério e esquecidos pelos próprios discípulos, só não choram ao relento sobre a multidão, porque entre eles, existem aqueles que ainda têm um mínimo de consideração por ele ao enxergá-lo como o “Mestre indestrutível’.

Em meio a tudo isto nos interrogamos: E COMO FICA A CIÊNCIA?

Tanto o estudante, quanto o professor, demonstram que não se pode fazer ciência com estômago vazio. Seria contraproducente. A vida de ambos faz jus ao adágio filosófico: primum vivere, deinde philosophari, que significa literalmente “primeiro viver, depois filosofar". Deixando claro que antes do exercício da reflexão intelectual, do raciocínio, da cognição, as necessidades básicas devem estar no topo da pirâmide como coisas a serem supridas. Produzir artigos, escrever livros, realizar pesquisas de campo, planificar e executar projectos, não é algo que uma pessoa que come de forma ocasional e carrega problemas de erradicação das necessidades básicas pudesse realizar de forma entusiástica e periódica. Desculpa, Maslow, mas em Angola, não chegaremos tão cedo ao topo da pirâmide porque a base ainda é um ideal que parece estar dois passos a frente de nós.

Professores e estudantes têm tantos projectos, tantas ideias e aspirações, mas que se vejam impotentes em materializá-los porque não recebem o devido apoio e, na verdade em Angola, este cenário ainda parece distante, porque ao que parece, desde 2017 estamos preocupados, ainda que por mero discurso, com a DIVERSIFICAÇÃO DA ECONOMIA — tentando apostar mais em outros sectores produtivos, com destaque a agricultura, enquanto que a educação rotula-se, por parte de quem governa, como "um sector não produtivo" (o estado está faminto por resultados imediatos que a educação não pode oferecer, por isso castigou-lhe esse ano com um investimento de 6,5% dos 15% que a UNICEF recomenda) —,  e tal acto colocou as nossas universidades fora do Top 100 das melhores Universidades do mundo. A UNICEF garante ainda que a maioria dos países em África dedica menos de 20% do seu orçamento nacional à educação. Os países africanos parece formarem uma "nova cultura" homogénea — ignorar a educação.

Com isto, os estudantes veem a educação ainda como um passaporte para obtenção de grandes cargos, com o intuito de subir o seu salário. Defendem as notas como um prestígio social e futuro-profissional, e o certificado ou diploma como um garante de emprego, no final, tanto o professor quanto o estudante, só querem a mesma coisa: fugir da pobreza, saciar a sua fome e “talvez um dia”, quem sabe, possamos falar de ciência.

Texto: Mateus Kuta (Professor, pesquisador e estudante Universitário em Ensino Primário no Instituto Superior Dom Bosco, Unidade Orgânica da Universidade Católica de Angola)

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