Segunda, 14 de Outubro de 2024
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Sábado, 14 Setembro 2024 13:14

Maçaricos do poder

Em Junho de 2023, o governador de Luanda fez o que pareceu uma denúncia de uma tentativa de corrupção que o teve como alvo. Manuel Homem não arredava o pé no seu obstinado plano de arrumar o comércio em Luanda, o que terá levado alguém a tentar demovê-lo com algumas luvas não quantificadas. Na altura, Manuel Homem não perdeu tempo.

Pela sua própria voz, apressou-se a dizer aos luandenses que tinha sido tentado e deu a entender que não caíra nem por um milímetro na tentação do corruptor. E ficou-se por aí. Alguns dias depois, em entrevista à Rádio Essencial, o entrevistador perguntou a Manuel Homem se apresentaria queixa às autoridades competentes.

Afinal, não se poderia esperar outra coisa de um governador integrado no Governo de um Presidente que tem no combate à corrupção a sua principal divisa. Manuel Homem fez de tudo para não dizer nada mas, perante a insistência do jornalista, comprometeu-se a apresentar publicamente os resultados do trabalho interno que a sua equipa faria a propósito. Já vai mais de um ano e até agora Manuel Homem não diz se apresentou queixa às autoridades, se tudo ficou resolvido entre camaradas ou se se tinha equivocado com o que viu. Simplesmente calou-se e, perante a passividade da comunicação social e dos luandenses, o assunto está, até prova em contrário, encerrado e esquecido.

Mais habituado a ‘denúncias’, o chefe da Casa Militar do Presidente da República veio dizer aos angolanos que há altas figuras castrenses e do Governo no contrabando de combustível. Isto alguns dias depois de o governador do Zaire ter aproveitado um frente a frente com João Lourenço, em Mbanza Congo, para lhe dizer que praticamente todo o combustível destinado à província é desviado em esquemas orquestrados por poderosos que ele (governador) e todas as autoridades locais são incapazes de combater.

Francisco Furtado, o general que chefia a Casa Militar de João Lourenço, já deu provas bastas de que tem problemas sérios em limitar-se nas competências do seu ofício. Em 2022, em plena disputa com parte da família pelo corpo de José Eduardo dos Santos, prometeu que ‘abriria todas as cubas’ que exporiam Welwitschea José dos Santos. O que muitos angolanos depreenderam na altura era que o general sabia de podres acerca da morte do ex-Presidente que comprometiam a sua própria filha ‘Tchizé’. Após todo esse tempo, ano vai, ano vem, água vai, água passa, a caixa da pandora mantém-se inexplicavelmente fechada. O general aparentemente foi tomado por algum tipo de amnésia e esqueceu-se do que sabia e do que ia dizer sobre ‘Tchizé’ dos Santos que deixaria os angolanos de queixo caído.

A denúncia contra os contrabandistas tem o mesmo fio. O tempo está para provar que as ameaças de Furtado não se vão converter em processos e condenações de altas figuras castrenses, como prometeu. De outra forma, João Lourenço não precisa- ria de criar nenhuma comissão de investigação e Furtado não teria de assumir, de forma deficiente, o papel de Procurador-Geral da República.

Como a crónica de uma morte anunciada, a culpa da história do contrabando dos combustíveis vai assim morrer solteira. Ou, se tanto, vai acabar com algum peixe miúdo lançado aos lobos na tentativa de se atirar areia para os olhos dos angolanos. Mas os verdadeiros mandões, os altos governantes, as altas chefias militares, estes vão manter-se intactos e, provavelmente, lá onde já estão: no contrabando.

Além da crónica e incorrigível corrupção, o que explica isso é também uma prática doutrinária dos regimes autoritários. Quando encurralados ou quando se encurralam a si próprios, os poderes autoritários, às vezes, recorrem ao simulacro do autoflagelo para alimentarem narrativas que conformam boas práticas de governação. Justamente por esse motivo acabam invariavelmente por meter os pés pelas mãos e os seus protagonistas passam vergonhosa- mente por maçaricos no comando de quartéis.

Se não atropelam pro- cedimentos, confundem as competências. Onde deveriam aparecer os órgãos de investigação, como a PGR, a anunciar a abertura de processos ou inquéritos criminais, aparece o ministro a informar que foi criada comissão para investigar. É o tal expediente inventado propositadamente para não se fazer nada. Para não se resolver nada. Porque as populações, estas esperam, exasperam e esquecem.

É isso. O teatro de Furtado, trans- formado em general das denúncias, tem os mesmos fundamentos da imprudência de Manuel Homem, o delator da tentativa de corrupção enterrada entre as paredes do GPL. É o regime. É a sua natureza.   Valor Económico

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