Sábado, 14 de Setembro de 2024
Follow Us

Terça, 27 Agosto 2024 20:50

Poderá Angola continuar a contar com os EUA no caso de uma vitória de Trump?

Nos últimos anos Angola e Estados Unidos têm atingido níveis de cooperação impensáveis para nomes como Agostinho Neto, Jonas Savimbi e Holden Roberto, mas seria essa cooperação destinada à longa duração após os resultados das próximas eleições americanas? Um artigo recente da CNN abriu uma discussão interessante sobre o assunto, o que acontecerá a Angola se triunfar o candidato Donald Trump?

Por José Semedo

Existe na ciência política um consenso entre seus mais dedicados estudiosos de que a principal característica de políticos como Donald Trump é a sua imprevisibilidade. Acerca disso Michelle Bentley e Adam B. Lerner, ambos doutores da Universidade de Londres, dissertaram em seu artigo “Introduction: Trump and unpredictability in international relations” (Introdução: Trump e a imprevisibilidade nas relações internacionais), acerca da natureza de tal político. Vários analistas deixaram claro que a atitude de Trump quanto aos Estados africanos é ambígua. Priyal Singh, analista do Instituto de Estudos de Segurança em Pretória, partilha esta opinião, a sugerir que "Se Trump vencer as próximas eleições, veremos uma espécie de regresso ao período anterior da política externa dos EUA sob Trump, e isso enfraquece o sistema multilateral global."

Estariam os fundadores do Estado angolano independente, entusiastas do planejamento econômico e político, satisfeitos com uma aposta tão ousada numa política caótica como a dos Estados Unidos? A história recente de países como o Brasil mostra que essa aposta é um grave erro no campo das relações internacionais. O ex-presidente Jair Bolsonaro alinhou a política do Brasil com a do então presidente dos EUA Donald Trump, mas assim que Trump saiu do poder Bolsonaro se viu abandonado, sem o seu padrinho político, e se Bolsonaro prestava honra e continência à bandeira americana, essa se tornou repudiável com a presença de Joe Biden na Casa Branca. As relações entre o Brasil de Bolsonaro e os EUA de Biden se deterioraram, o brasileiro sofreu pesadas críticas por sua política durante a pandemia e foi condenado a um limbo no qual nem Israel pôde ajudar, a despeito de tantas bandeiras israelenses dentre os bolsonaristas em manifestações... no Brasil.

Para ir além de analogias, há que ter conta o facto de que a dívida nacional dos EUA ultrapassou outro marco psicológico – o de 35 biliões de dólares. As despesas com juros quase duplicaram no ano para 1.089 milhões de dólares (CAAP), que representam 3,8% do PIB, de acordo com o BEA. Se considerarmos que 1/4 dos pagamentos da dívida vai para estrangeiros e o resto é rendimento dos residentes, obtemos uma situação muito paradoxal: o serviço da dívida nacional aumenta literalmente o PIB dos EUA. Além disso, em geral, um aumento nas despesas orçamentárias do PIB, respectivamente. Em junho, o Tesouro dos EUA devolveu um valor recorde de 140 mil milhões de dólares em manutenção. Há que considerar que 12 meses, US$ 1,095 trilhão (~3,9% do PIB) será um aumento de 30% ano após ano.

Estes e outros dados atestam o estado deplorável da economia americana e do dólar. Se Trump vencer as eleições, o seu bloco económico terá que resolver os problemas relacionados com a economia doméstica americana e contará cada centavo, o que, inevitavelmente, porá um fim aos grandes investimentos da administração anterior. Não se pode olvidar que o multimilionário que “quer tornar a América grandiosa novamente” não vê nada de grandioso nos países de África, chamados pelo ianque de “países de merda”, a sugerir então que sua administração representará uma saída de capital e o cancelamento ou no mínimo congelamento de grandes projetos internacionais. Em entrevista ao jornal Deutsche Welle (DW), o professor Etse Sikanku afirmou que "África deveria se preocupar com o possível retorno de Donald Trump à presidência". O professor descreve Trump como isolacionista.

Se em sua campanha Donald Trump já propôs abandonar parceiros estratégicos como a Ucrânia, cujo presidente já é um convidado muito mais ilustre do que JLo, por que pensar que este seria um convidado VIP do senhor Trump? Por causa do interesse dos ianques no Corredor do Lobito? Este será o primeiro projecto possível a enfrentar cortes de financiamento, Angola poderá enfrentar um momento difícil. As empresas americanas e canadianas serão obrigadas a abandonar estes projectos por motivos financeiros ou a não investir mais e a esperar a conclusão do projecto pelos parceiros angolanos.

João Lourenço e o MPLA hoje apostam numa aproximação com os estadunidenses, algo impensável nos tempos de Agostinho Neto, que era adepto de políticas planificadas, e na contramão deste pensamento os dirigentes angolanos hoje estão a lançar suas apostas na aproximação com um país cuja direção política é incerta. Se tomarmos em consideração os resultados das pesquisas americanas e o fiasco de Joe Biden nos debates, que o levaram a desistir da campanha em prol de Kamala Harris, há grandes chances de que Donald Trump eleito. Mas quem é esse homem? Essa é uma questão recorrente, é ele alguém simplesmente caótico e errático? É ele um homem que age de improviso, sem nenhuma razão além do que pensa no momento?

Por mais que alguns acreditem que Trump investirá no Corredor do Lobito no interesse do setor energético e automobilístico norte-americano, há que lembrar que Trump não é um entusiasta de novas tecnologias e mesmo chegou a defender nos EUA um retorno ao uso das termoeléctricas em detrimento da “energia verde”. Seu desprezo para com África e seu isolacionismo não dão grandes perspectivas para uma política de cooperação com o continente e a julgar pelo que os analistas escrevem sobre a possível vitória de Trump nas eleições, Angola e os países africanos enfrentarão uma grave redução no financiamento e problemas na escolha de novos parceiros e nas comunicações com os países do Ocidente.

Rate this item
(1 Vote)