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Terça, 19 Julho 2022 23:09

Eleições em Angola: que transparência?

No próximo dia 24 de agosto terão lugar as quintas eleições gerais em Angola. As anteriores ocorreram em 1992, 2008, 2012 e 2017. Como é sabido as primeiras (1992) deram origem ao recrudescimento da guerra civil, enquanto as restantes foram ganhas com maior ou menor vantagem pelo MPLA.

Tem assumido particular relevância a acusação repetida exaustivamente pelo líder da UNITA, Adalberto da Costa Júnior, e secundada por vários académicos reputados, jornalistas e membros da sociedade civil, segundo a qual estas eleições iriam ser as menos transparentes e fraudulentas da história de Angola.

Atendendo à gravidade da acusação e ao facto de, no final de contas, a mesma representar uma deslegitimação do processo eleitoral convém perceber os mecanismos e instrumentos que estão disponíveis para assegurar a transparência das eleições, conferindo-lhes a legitimidade adequada à evolução histórica de Angola.

Há um primeiro aspeto que reputamos importante, e que é aquele que diz respeito ao direito de manifestação.

O que resulta da lei em vigor é uma ampla possibilidade de manifestação, não havendo condicionalismos nem obstáculos assinaláveis. E a realidade tem correspondido à lei. Até ao momento, no período de pré-campanha já têm ocorrido grandes manifestações sem incidentes, quer por parte do partido do governo, quer por parte da oposição. O líder da oposição tem-se deslocado livremente no território de norte a sul, concretamente, de Cabinda a Menongue e realizado grandes atos de massas, sem qualquer impedimento ou confronto. Este aspeto fundamental para o processo eleitoral tem estado assegurado.

Um segundo tema, tem um cariz institucional e acreditamos que pode desempenhar um papel construtivo no processo eleitoral. Trata-se da participação da Igreja Católica, que muitos até consideram alinhada com o principal partido da oposição. Em 2022, seguindo as passadas da sua congénere na vizinha República Democrática do Congo (RDC) em que a Igreja Católica teve um papel determinante na transição eleitoral de 2018/2019 entre Kabila e Tshisekedi, a Igreja Católica angolana tem assumido um manifesto protagonismo na preparação das eleições angolanas. Os seus bispos e padres estão ativos na sua pastoral e nas homilias e têm uma atividade pública intensa, exigindo eleições adequadas, informando que vão monitorizar o processo eleitoral de forma sistemática.

É precisamente este ativismo católico, lembrando que segundo as estatísticas, cerca de 40% da população angolana é católica, que permite concluir que o escrutínio que a Igreja Católica está a fazer das eleições não deixará larga parte da população indiferente e obriga por si só a uma transparência acrescida no processo. Melhor dizendo, o escrutínio católico e das suas múltiplas organizações é, em si mesmo, um fator intrínseco de transparência.

O mesmo acontecendo com o escrutínio de uma imensidão de agremiações da sociedade civil, que está sobretudo ativa nas redes sociais. Nunca as redes sociais em Angola estiveram tão vivas como neste período, contestando, discutindo e afirmando posições.

Esta situação, tal como a participação da Igreja Católica entendemos que este escrutínio digital tem uma dupla função. Por si só é sinónimo de transparência e ao mesmo tempo aumenta a transparência ao colocar no espaço público a discussão sobre as eleições.

Finalmente, há que fazer uma última nota sobre o processo de contagem de votos, que tem sido muito mal-esclarecido na opinião pública e alvo de afirmações erradas.

É na Mesa de Voto que se procede à abertura das urnas e contagem dos votos, ao contrário do que tem sido afirmado. Na verdade, encerrada a votação, o Presidente da Mesa, na presença dos restantes membros, procede à abertura da urna, seguindo-se a operação de contagem por forma a verificar a correspondência entre o número de Boletins de Voto existentes na urna e o número de eleitores que votaram naquela Mesa de Voto. Em seguida, o Presidente da Mesa de Voto manda proceder à contagem dos Boletins de Voto. Isto é feito em público e na presença de todos os delegados dos partidos. Quer dizer que há uma fiscalização direta por cada um dos partidos em cada uma das Mesas de Voto. Aquilo a que poderíamos chamar uma fiscalização atomista. Cada átomo da eleição está a ser verificado.

Só após a contagem local é que é elaborada uma ata da Mesa de Voto pelo Secretário da Mesa e devidamente assinada, com letra legível, pelo Presidente, Secretário, Escrutinadores e pelos Delegados de Lista que tenham presenciado a votação, sendo depois colocada em envelope lacrado que deve ser devidamente remetido, pela via mais rápida, à Comissão Provincial Eleitoral. Em sequência, compete à Comissão Nacional Eleitoral a centralização de todos os resultados obtidos e a distribuição dos mandatos.

Em síntese, o apuramento nacional é realizado com base nas atas-síntese e demais documentos e informações recebidas das Assembleias de Voto.

Todos estes factos apontam para uma opinião diversa daquela que tem sido expendida pelos setores acima referidos em relação à transparência das eleições.

São fatores reais que permitam realizar uma avaliação mais objetiva do fenómeno eleitoral em Angola como esperado para 2022. Entendemos que o fator chave é o do escrutínio público que o processo eleitoral está a ter. Escrutínio público entendido como exame minucioso e averiguação diligente de um fenómeno realizado pela sociedade em geral, e não apenas por órgãos específicos que poderão ou não estar alinhados com determinada opção política ou ideológica.

O nosso argumento é que quanto maior for o escrutínio público a que um fenómeno eleitoral esteja sujeito maior será a sua transparência e democracia e menores as probabilidades de fraude, havendo uma relação direta entre escrutínio e transparência.

Nesta medida, mesmo com imperfeições, augura-se que as próximas eleições angolanas serão mais transparentes do que no passado, e seria bom que o discurso deslegitimador não prevalecesse para não esvaziar o significado soberano das eleições. Dinheiro Vivo

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